Blog do Torero

Arquivo : November 2010

Todo juiz é ladrão!
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Torero

(Recoloco aqui um texto de 24 de novembro de 2005 que ajuda a entender  o pênalti marcado para o Corinthians ontem)

Sim, jurístico leitor e judiciosa leitora, todo juiz é ladrão. E quem diz isso não sou eu nem a torcida colorada. São estatísticos alemães. E não imagino gente mais séria e com mais siso do que estatísticos alemães.

Explico melhor. É que o leitor Roberto Porto, um econometrista (procurei no dicionário e vi que um econometrista não é especialista em ecos, mas um indivíduo versado em econometria, método estatístico de análise de dados e problemas econômicos), enviou-me um artigo publicado no “Journal of Economic Psychology”, intitulado “Favoritism of agents – The case of referees home bias”, que no meu péssimo inglês eu traduziria como “Favoritismo dos agentes – A tendência dos juízes em favorecer o time da casa”. O texto é de Matthias Sutter e Martin Kocher, professores da Universidade de Insbruck, Áustria.

Tomando como base os jogos do campeonato alemão de 2000/ 2001, Sutter e Kocher estudaram dois aspectos da arbitragem: o tempo de acréscimo dado pelos juízes e a marcação de pênaltis.

Em relação aos acréscimos, viu-se que os árbitros tendem a dar mais tempo extra principalmente quando o time da casa está perdendo por um gol de diferença. Neste caso os acréscimos ficam em torno de 2,75 minutos.

Porém, se o time da casa está vencendo por um gol, a média de acréscimos fica abaixo dos dois minutos. Pode não parecer uma grande diferença, mas estes segundos a mais foram fundamentais para que o Internacional vencesse o Brasiliense no último dia 20.

Passemos à parte mais interessante do artigo: os pênaltis.

Segundo os dois teutônicos (que significa alemães, e não um tipo de daltônicos), no campeonato de 2000/2001 foram marcados 76 pênaltis, 55 para os times da casa e 21 para os visitantes. É claro que, como os times da casa geralmente atacam mais, eles deveriam ter mais pênaltis marcados a seu favor. Mas os econometristas foram espertos e procuraram em reportagens quais os pênaltis que foram, nos dias seguintes, aceitos ou refutados pela imprensa.

Dos 55 pênaltis caseiros, 5 foram dados como injustos. Dos 21 pênaltis visitantes, somente 1 foi classificado como ilegítimo. Além disso, não foram dados 12 pênaltis para os times da casa e 19 para os visitantes (como o caso de Márcio Rezende de Freitas no domingo). Ou seja, em 62 jogadas em que deveriam ser marcados pênaltis, os times da casa tiveram 50 penalidades assinaladas (81%). Já os visitantes, que deveriam ter a seu favor 39 marcações, receberam apenas 20 (51%).

Segundo os autores, este favorecimento ao mandante pode ocorrer devido ao barulho, à pressão da torcida. Para tal afirmação, eles se basearam num experimento inglês com 40 juízes. Todos assistiram a um jogo do Campeonato Inglês pela TV. Metade escutava o som (e a torcida), a outra metade apenas via as imagens. Os que tinham acesso ao som foram 15% mais relutantes em marcar as faltas do time da casa.

Em resumo: todo juiz é ladrão! Mesmo que seja sem querer.

Apito amigo
A pesquisa talvez ajude a explicar um pouco o porquê de o Corinthians ter a fama de ser ajudado pelo “apito amigo”, seja ele soprado por Javier Castrili ou Márcio Rezende de Freitas. Como trata-se de uma torcida imensa, que canta e pula durante todo o jogo com um amor quase insano (às vezes sendo mais numerosa e/ou ruidosa que o time da casa), os juízes acabam ficando impressionados e pressionados. E isso acaba causando erros como o de domingo. Mas, antes que me acusem de dizer que os torcedores estimulam o roubo, aviso aos corintianos que isto não é uma acusação. Na verdade é quase um elogio: à torcida, não aos árbitros. Estes deveriam estar acima das pressões, deveriam usar tampões morais nos ouvidos.


Como ganhar no futebol hoje e amanhã
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Torero

(Coloco hoje no Velharias, sei lá por quê, um texto de onze anos atrás, inspirado por uma série de textos de Matinas Suzuki)  

  
Nas últimas dez semanas, Matinas Suzuki Jr. vem escrevendo sobre “Como ganhar no futebol de hoje”. O sábio samurai futebolístico observou que, para vencer, um time precisa de dois bons jogadores em cada posição, planejamento, capacidade de arrecadar dinheiro, preparo físico, comunicação, psicologia, tática, estratégia e coisas assim.

Minha visão é um pouco diferente. Acho que a primeira regra para vencer um jogo, seja na várzea ou na Copa do Mundo, é ter o juiz a seu favor. Nada melhor do que um árbitro que seja cego para as faltas de seu time e tenha olhos de águia para as do adversário. Um bom Castrilli ou um Márcio Rezende de Freitas fazem muita diferença. Eles neutralizam qualquer craque e vencem qualquer estratégia.

Logo abaixo dos juízes, vem Deus. É útil tê-Lo a seu lado, e há vários modos de se conseguir isso. A maneira mais tradicional é ir até Aparecida pedir a benção de Nossa Senhora.

Porém, por via das dúvidas, é bom fazer um trabalho num terreiro. E não se devem esquecer as medalhinhas, superstições e promessas. Até Pelé usava medalhinha. Elas dão mais confiança ao jogador e, dizem alguns, também mais velocidade, resistência e proteção contra contusões.

Quanto às superstições, as mais engraçadas são as dos goleiros, que dão pulinhos, chutinhos nas traves, penduram-se nos travessões e beijam a rede.
E isso sem falar nas promessas, como a de cortar cabelos, andar de joelhos e vestir-se de mulher. Sem a ajuda de santos e bruxos, qualquer craque se torna um perna-de-pau.

Um cartola desonesto também nunca é demais: ele consegue manipular tabelas, parar campeonatos, colocar jogadores suspensos em campo, retardar julgamentos inconvenientes e agilizar o primeiro item desta crônica, a compra de juízes.

Porém, mesmo tendo o auxílio de árbitros, deuses e cartolas, só por segurança, é bom ter um time decente. Não necessariamente 22 bons jogadores, mas alguns tipos são fundamentais.

Em primeiro lugar, é preciso ter um valentão, um daqueles jogadores que têm tanta autoridade que os amigos lhe pedem benção, e os inimigos, licença. Ele pode ser grosso, como o Dinho, craque, como o Zito, ou mediano, como o Dunga, porque, nesse caso, mais do que as pernas, o que importa é a garganta.

Um palhaço também é imprescindível: eles atraem a torcida, animam o ambiente, manipulam a mídia e às vezes até marcam gols. Túlio, Dadá Maravilha, Viola e Serginho (ex-Santos) são alguns exemplos de jogadores bem-humorados.

Um zagueiro com vocação para assassino pode ajudar, mas o principal é não se esquecer do craque, do maestro, daquele jogador que põe ordem no jogo, que atrai a bola como um imã, feito um Cruyff, um Beckenbauer, um Pelé, um Deyna, um Zico ou um Falcão. Um time sem um craque é como uma noite sem lua, como um dia sem sol, como uma banana-split sem banana.

E, mais do que tudo, é preciso gostar de futebol. É preciso rir ao dar um drible, trincar os dentes ao dividir uma bola e gostar de fazer embaixadas até com laranjas. Enfim, como disse Nelson Rodrigues, mais do que tudo há que se jogar com alma, que quem ganha partidas e campeonatos não é a estratégia nem o planejamento nem nada, é a alma.


Zé Cabala e o homem-aranha
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Torero

Quando cheguei ao ashram de Zé Cabala, um sobrado pintado de amarelo berrante no Jardim Lambretta, notei que a porta estava aberta e que havia uma certa gritaria lá dentro. Entrei o mais rápido que pude a fim de ajudar se houvesse algum problema.

Porém, qual não foi minha surpresa quando vi o sábio dos sábios em cima da mesa, gritando “Mate este monstro, mate este monstro!”, e Gulliver, seu assistente anão, correndo em torno da mesa enpunhando uma vassoura.

“Barata?”, perguntei.

“E você acha que eu teria medo de uma barata? É uma aranha. Uma aranha enorme, daquelas que atacam cidades em filme B.”

Foi então que vi um minúsculo exemplar do aracnídeo passando perto do meu pé e… cleque, pisei no bicho.

“Pronto, matei.”

“Sério? Você é um herói, caro foliculário! Só por causa disso hoje vou lhe fazer um desconto de 10%.”

“Quanta generosidade…”

“Quem você quer entrevistar?”

“Por uma grande coincidência, dessas que só acontecem nos textos de escritores de terceira, quero falar com o maior goleiro de todos os tempos.”

“O Aranha Negra? Detesto aranhas! Isso vai lhe custar o dobro.”

Eu aceitei, é claro.

Então Zé Cabala pôs-se a fazer alguns passos de dança russa e, depois de algum tempo, estendeu-me a mão e disse: “Muito prazer, Lev Yashin.”

“Pois bem, senhor Yashin, a primeira coisa que quero saber é o motivo do seu apelido.”

“É que eu sempre me vestia de preto e tinham braços longos.”

“Confesso que não vi nenhuma defesa sua…”

“É só olhar no endereço: http://www.youtube.com/watch?v=47fTQnYMnTY.”

“Depois eu olho. Mas eu queria entender o que o senhor fazia de diferente.”

“Olha, bastante coisa. Por exemplo, eu fui um dos primeiros a socar a bola nos momentos de maior aperto junto da pequena área. Eu também camandava a defesa nos lances de bola parada, era rápido nas jogadas de contra-ataque, tinha elasticidade e muita coragem. Saía no pé do atacante como um raio. Aliás, outro apelido que eu tive foi raio negro. E também me chamaram de Pantera Negra por causa dos meus saltos.”

“O senhor sempre quis ser goleiro?”

“Sempre. Mas no começo queria ser goleiro de hóquei no gelo.”

“Sério?”

“Sério. Comecei no hóquei, no time da fábrica de ferramentas onde eu trabalhava. Depois, aos 14 anos, comecei a jogar futebol. E fiquei nos dois esportes por um bom tempo.”

“Quando se decidiu?”

“Em 1953. Eu já era reserva do Dínamo há 4 anos. Mas em 1953 aconteceram duas coisas: o goleiro titular, o grande Aleksey Khomich, se aposentou. E eu fui convocado para a seleção soviética de hóquei. Aí não teve jeito. Tive que escolher. E escolhi o futebol.”

“Ficou no Dínamo por toda a carreira?”

“Fiquei. De 1949 a 1971. Só parei com 42 anos. Vencemos o campeonato nacional cinco vezes, e três vezes a Copa da URSS. E eu fui o melhor jogador do campeonato 14 vezes.”

“E na seleção soviética?”

“Ganhamos as Olimpíadas de 1956 e a Eurocopa 1960. Sem falar que participei de quatro Copas do Mundo, de 1958 a 1970. Se bem que nesta última já era reserva.”

“O senhor lembra qual foi o seu grande jogo numa Copa?”

“Tem que escolher só um? Assim fica difícil. Bem, acho que a minha fama começou em 1958, num jogo contra a Áustria, quando eu defendi um pênalti. Aliás, há quem diga que defendi 150 pênaltis na minha carreira, mas deve ser exagero.”

“Vocês enfrentaram o Brasil nesta Copa, não é?”

Se meu russo não falha, aqui está escrito: Lev Yashin não era uma estrela. Nas suas horas de folga, gostava de jogar futebol com as crianças na rua.

“Para meu azar, fui o primeiro goleiro a enfrentar Pelé e Garrincha jogando juntos. E só tomei dois gols. Bem menos que França e Suécia, que nos jogos seguintes levariam cinco cada uma.”

“E como foi em 1962?”

“Fiz a pior partida da minha vida contra os colombianos. Ganhávamos de 4 a1, mas falhei duas vezes, numa delas até levei um gol olímpico, e eles acabaram empatando o jogo. Aí pegamos o Chile nas quartas e falhei de novo: pensava que o lance era em dois toques, mas o jogador chutou direto e marcou.”

“Um frango!”

“Na Rússia chamamos de borboleta. O pior é que perdemos por 2 a 1 e caímos fora da Copa. Ah, não é fácil ser goleiro…, não se pode falhar nunca. Até começaram a dizer que eu estava acabado para o futebol.”

“E estava?”

“Que nada! 1963 foi meu melhor ano. Tomei apenas 6 gols em 27 jogos. Fui tão bem que ganhei a Bola de Ouro como melhor jogador da Europa. Até hoje sou o único goleiro que recebeu este prêmio.”

“O senhor tinha algum segredo?”

“Bem, antes de cada partida, para acalmar os nervos, eu fumava um cigarrinho, e, para tonificar os músculos, tomava um copinho de vodka.”

“Fumava e bebia antes do jogo?!”

“Pois é. E adorei a caipirinha brasileira.”

“Como assim?”

“Eu era fã do futebol brasileiro e do goleiro Gilmar. Então, em 1965, consegui uma licença para visitar o Brasil. Fiquei no Rio de Janeiro. Passava as manhãs na praia e às tardes treinava os goleiros do Flamengo, só para manter a forma.”

“E o que fez quando se aposentou?”

Monumento a Yashin

“Passei a treinar equipes juvenis e a trabalhar como professor de educação física. Também participei das comissões técnicas do Dínamo e da seleção.”

“Uma boa aposentadoria.”

“Foi. Mas em 1984, com 55 anos, tive que amputar uma perna. Sabe lá o que é para um goleiro perder uma perna? A Aranha Negra ficou manca… Seis anos depois, passei para o lado de baixo do gramado, destino de todos nós, goleiros ou centroavantes. Contra o tempo não há defesa.”


 


Analogias para senhoras de fino trato
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Torero

(Publicado originalmente na Folha de S.Paulo um pouco antes da Copa de 98.)

Os homens esperam ansiosamente pela Copa do Mundo, ainda mais se forem vendedores de materiais esportivos e fogos de artifício. Porém, curiosamente, as mulheres não têm lá muito interesse pelo assunto. Há exceções, é claro, mas a maioria ainda acha o futebol uma atividade sem sentido e beleza.

Tanto é assim que apenas 3,7% dos e-mails futebolísticos que recebo vêm de mulheres.

Creio que, ficando indiferente a essa febre, elas possam estar dando uma mostra de liberdade de espírito e independência intelectual. Mas também é possível que não se interessem pela Copa por pura ignorância futebolística.

Portanto, a fim de facilitar o entendimento dos mistérios do futebol, daqui até a Copa, toda terça-feira, publicarei estas “Analogias paras senhoras de fino trato”, a fim de facilitar a compreensão do esporte para as filhas de Eva.

No primeiro capítulo, hoje, optei por fazer uma comparação com algo que todas conhecem: o corpo humano.

O goleiro, por exemplo, leitoras, são como os glóbulos brancos, também chamados de leucócitos. Eles devem evitar que o gol seja invadido por células inimigas e devem neutralizar qualquer ataque contra o sistema imunológico. Goleiros e leucócitos desempenham um trabalho sacrificado, mas quase nunca lembramos deles. Apenas quando falham, e aí ficamos doentes.

Já os laterais, com a concentração da marcação no meio-campo, passaram a assumir funções mais importantes. Hoje, além de marcar, eles têm que se projetar ao ataque e fazer a função dos antigos pontas. Com tanto trabalho, só uma comparação é possível: eles são os pulmões do time.

Os zagueiros devem ser associados ao estômago. Eles trabalham o tempo todo e têm que estar preparados para digerir qualquer coisa. Se algum atacante ousar chegar até ali, deve ser esmagado e comprimido. Alguns beques, como Júnior Baiano, costumam levar isso ao pé da letra.

Os dois volantes são como o coração. Aliás, um faz a função de sístole e outro de diástole. Eles são vitais para o bom funcionamento do time, pois bombeiam a bola para o ataque e oxigenam a defesa. Assim como o coração, devem bater, mas não demais.

Quanto aos meias de ligação, não há dúvida: eles são o cérebro de uma equipe. Em fração de segundos, eles têm que dominar a bola, perceber alguém se deslocando e mandar a bola no pé desse companheiro antes de ser derrubado por um volante do outro time.

Por fim, há os atacantes. Gostaria de evitar certo tipo de comparações, principalmente porque os leitores da Folha são sofisticados, inteligentes e sutis. Por isso, cara leitora, tentarei ser discreto e não farei aqui uma analogia explícita. Direi apenas que o atacante tem que saber jogar enfiado, ser incisivo, firme, obsessivo, destemido e, principalmente, tem que crescer em determinados momentos da partida.

Enfim, um time é como um corpo humano. Tem várias partes, cada uma com uma função e, se uma delas falha, podemos sofrer uma morte súbita.


Links legais
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Torero

Para os fanáticos por futebol, uma boa pedida é este site:  www.pelejas.com.

Ele traz as fichas de todos os jogos de Palmeiras, Corinthians e São Paulo, com um sistema de pesquisa interessante. O próximo será o Flamengo.


Ziza, o ranzinza, e o Campeonato Brasileiro
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Torero

Quando cheguei ao Bar da Preta, só havia dois lugares no balcão, um de cada lado de Ziza, o ranzinza.

Sem outra opção, sentei-me junto, conhecido por reclamar mais que aposentado na fila do banco.

“Bom dia, seu Ziza.”

“Só se for para você.”

“Qual o problema?”

“Vou ficar cego.”

“Catarata?”

“Não. Farol. Já viu esses novos faróis de xenon que os boys estão colocando no carro deles? Quem será que foi a besta que permitiu isso. Deve estar ganhando um bom dinheiro por fora, porque esse farol é um atentado à visão alheia.”

“É, é desagradável mesmo…”

Ziza não foi uma criança muito simpática.

“Pior que isso, só aqueles vidros com insufilm 110%. Parece tudo carro de traficante. Não dá para ver o que tem na frente. Deve acontecer um monte de batida por conta desse treco. Mais um que deve ter ganho uma boa grana para liberar o negócio.”

“Deve, deve…”

Também não gosto dessa história de gás encanado. Chegou lá no meu prédio e agora vou ser obrigado a usar. O treco é caro para dedéu! A companhia de gás não tem mais que fazer entrega e ainda cobra mais caro? E a tal da livre concorrência? Aí tem mais um que ganhou por fora…”

“Bem…”

“É que nem essa nova tomada brasileira. Já viu cretinice maior? Obrigar o país todo a mudar para uma tomada que só existe aqui. Pode apostar que é mais um ganhando dinheiro no mole.”

Ziza de bom humor.

Para acabar com as reclamações, decidi falar sobre futebol: E o Brasileiro, hein? Vai ser disputado até o final.

“Vai. Mas não é competitividade. É incompetência.”

“Não entendi.”

“Se a gente tivesse um time realmente bom este ano, agora ele já estava comemorando o campeonato. Olha só o Fluminense, por exemplo. Abriu um monte de pontos e depois começou a patinar. Desde que o Muricy começou a dar risada, já não é a mesma coisa…”

“Foi só um deslize, ele já voltou a ficar sério.”

“O Corinthians, a mesma coisa. Se não tivesse derrapado na fase Adilson Batista, já teria dado a volta olímpica.”

“Pode ser…”

Ziza na véspera de Natal

“E o Cruzeiro? Se o Mineirão estivesse funcionando, não tinha perdido tantos pontos em casa e agora já estaria com mais uma estrela. O Santos, se tivesse o Ganso, não teria desperdiçado tanto ponto bobo e estaria lá em cima da tabela. Até para o lanterna, em casa, os caras perderam.”

“Nem me fale…”

“O São Paulo marcou passo com técnico e o Botafogo, se tivesse vencido metade dos 16 empates, estaria com 71 pontos, disparado na liderança.”

“O Botafogo é fogo…”

“De palha. E lá embaixo da tabela é a mesma coisa. Um monte de time já podia ter escapado do rebaixamento. O Avaí se empolgou demais e perdeu a mão. Quer dizer, o pé. O Guarani começou bem, mas não viu a decadência chegando e acordou tarde demais. O Goiás ficou com briga política e vai cair. O Atlético Mineiro ficou enrolando com o Luxemburgo quando estava na cara que a coisa já tinha desandado…”

“É mesmo.”

“Por isso, este não vai ter um time que vai ser campeão, mas um monte que não será.”

Ziza quando ainda era um espermatozóide

“Você está sendo muito ranzinza, Ziza.

“Que nada. Os clubes é que não enxergam as coisas. É como se tivesse um daqueles faróis xenon apontando para eles, ou um daqueles insufilmes de traficante atrapalhando a visão. Faltou gás ao pessoal. Faltou meter o dedo na tomada para tomar um choque e se ligar.”

“Se você diz…”

“Digo e repito”, falou Ziza segurando sua média. “O Campeonato Brasileiro está que nem esse pão na ch…”

“O que tem esse pão na chapa?”, perguntou a Preta, segurando uma faca e uma laranja.

“Bem…”, começou a falar Ziza enquanto Preta cortava a laranja em duas metades e a colocava no espremedor com ares de sadismo. “O Brasileiro está como este pão porque a gente não consegue viver sem ele”, completou Ziza.

Ziza é ranzinza, mas não é bobo.


Sempre aos domingos: Pelé e a filosofia
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Torero

Luiz Guilherme Piva

 

A história da filosofia ocidental tem um grande divisor de águas, ocorrido em meados dos anos 1000. E o embate entre as duas correntes conforma muito das diferenças na formação das sociedades modernas. Isso porque não houve Pelé naquela época – cuja existência poderia ter suprimido as divergências entre os pensadores.

Uma das correntes, a mais antiga, pré-socrática, que deu base ao pensamento religioso, escolástico, metafísico e tomista, predominou na Europa até cerca de 1500, mas depois se concentrou na Península Ibérica e migrou para a América Central e do Sul, presidindo a formação intelectual e social das colônias hispânicas e portuguesas. Para ela, a verdade existe em si e cabe ao homem desvendá-la – sem nunca consegui-lo, visto que só vislumbramos arremedos e ilusões, sombras na caverna, manifestações parciais. A essência, plena e una, está guardada acima e fora do nosso alcance.

É óbvio que, se tivessem visto Pelé jogar, os próceres dessa doutrina a teriam renegado. A essência plena, a verdade maior do futebol estava ali, de carne e osso, correndo, chutando, driblando. Não eram sombras enganosas, não eram ilusões ou deformações da nossa parca apreensão intelectual.

A outra corrente, fortalecida a partir de 1500, mas sobretudo a partir do século XVIII, negou a metafísica e consolidou o império da razão e do experimentalismo (ou empirismo), dando base ao iluminismo, ao racionalismo e ao cientificismo. Para ela, que vingou nos países saxões e germânicos, principalmente, e migrou para a América do Norte, conformando parte de sua história, não existe a verdade essencial, só o mundo concreto: a verdade é construída pelo conhecimento.

É óbvio que, se tivessem visto Pelé jogar, também os fundadores dessa doutrina a abjurariam. Não poderia ser deste mundo o ser que corria, chutava e driblava como ele o fazia. Tratava-se, acreditariam, de simulacro ou sombra de algo maior, perfeito, ao qual jamais teríamos acesso por meio da razão.

Pode-se cogitar, então, que as duas correntes existiriam da mesma forma, apenas trocando de lugar os defensores de cada uma – e então tudo seguiria igual, com suas conseqüências culturais, sociais e políticas intactas.

Pode ser. Mas não creio. Acho que, se tivessem visto Pelé jogar, as duas acabariam convergindo para um leito comum – que restou para sempre, desde então, inexistente e inviável – que poderia ter ocupado o curso central do pensamento humano, no qual razão e metafísica ocupassem, harmoniosamente, seus respectivos espaços e dimensões. Não ocorreu.

Até hoje ciência e religião se digladiam, e alguns poucos ainda buscam o encaixe que as concilie. Mas em vão. A ausência de Pelé naqueles momentos inaugurais do pensamento moderno privou para sempre a humanidade e as sociedades da sua síntese fundamental.

E ainda hoje nos pegamos, cientistas materialistas de um lado, e metafísicos essencialistas de outro, ocupados com duelos e dúvidas em torno de questões menores como a verdade, o movimento, o tempo, a natureza e o ser.

Quando poderíamos já ter resolvido tais pendengas para nos dedicar ao que de fato é grandioso, que são as certezas e dúvidas que afloram na razão e no espírito ao ver e rever Pelé jogar.
Luiz Guilherme Piva é autor de Ladrilhadores e semeadores (Editora 34) e A miséria da economia e da política (Manole)


Cinco livros e uma toreroteca
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Torero

Há tempos eu não escrevo aqui sobre livros e uns leitores até reclamaram. Então vou quitar toda a minha dívida de uma vez, escrevendo sobre vários de um só gole. Não farei críticas sérias, claro, mas sim umas impressões de leitura.

Eu gosto muito deste autor. Mas, deste livro, nem tanto. Ele reconta um caso verídico acontecido com Sir Arthur Conan Doyle, que, na vida real, deu uma de detetive e ajudou um jovem advogado que foi preso e acusado de certos crimes. Para os fãs de Sherlock Holmes, o livro pode funcionar como uma biografia de seu autor, e aí se justifica. Mas, como romance, ficou um tanto gordo demais, e tive que lutar um pouco para chegar ao fim.

 É um livro que conta em pílulas a história de Cuba. Mas a ideia não é contar uma história exata, tanto que não há nomes nem datas. Creio que a intenção de Cabrera Infante é criar um romance caleidoscópico ou algo assim, mostrando mais a natureza moral da ilha do que sua história. A leitura foi rápida e leve, com vários bons momentos, mas não chegou a ser um livro marcante. Certamente o será para quem se interessa e conhece mais profundamente a história de Cuba.
 
 Esse é bem complicado de explicar. Não acontece nada, mas você se interessa pela história. Não há uma trama, um fato central, mas as descrições de sentimentos e sensações são tão bem feitas que você tem curiosidade em saber o que acontece com o personagem (um menino que vive na África do Sul no pós-guerra). Porém, não acontece muita coisa. O livro faz parte de uma trilogia. Estou cá em dúvida se leio ou não a segunda parte. Acho que lerei.

 Leandro Narloch trabalhou na melhor e na pior revistas do Brasil, pelo menos, na minha opinião. A saber, a Superinteressante e a Veja. A primeira tem diagramação revolucionária, textos excelentes e uma busca pelo saber, uma tentativa de entender os fatos. A segunda, de nobre passado, tornou-se panfletária e hoje já não inspira a menor confiança. Já não busca entender os fatos, mas explicá-los conforme sua ideologia. Este livro é um tanto das duas coisas. Há ótimos trechos, em que se busca dar um novo enfoque, descobrir um novo ângulo sobre um assunto (como, por exemplo, o que fala sobre os índios, que não os mostra como um bom selvagem, como um ser cândido e puro, destituído de má índole) e outros em que o autor tenta apenas chocar, como o que fala que Gregório de Martos foi um dedo-duro, o que não tem o menor apoio em dados históricos. Ou seja, quando Narloch investiga sem preconceito, parece que estamos diante de uma boa reportagem da Superinteressante. Quando tenta chocar por chocar, parece que estamos lendo uma daquelas reportagens parciais da Veja.

 E eis cá o melhor livro destes cinco. Ou, pelo menos, o que me deu mais prazer. Aliás, nunca li nada do Nabokov que fosse apenas médio. Ele é sempre bom. E este livro é ótimo. Personagens palpáveis, história com reviravoltas surpreendentes, estilo elegante, etc… Eu o comprei há anos, mas, como a capa não me agradou, o coitado ficou na estante. Erro meu. Não se julga um livro pela capa, diz o ditado. E ele está certo. É um livraço.

Mas vamos ao que interessa, que é a nossa toreroteca. E o livro-prêmio de hoje (no qual ainda estou na metade) é “Dos sonhos e seus efeitos colaterais”, de Felipe Longhi Malheiro. Felipe foi jogar futebol na Nova Zelândia e conta aqui como esta aventura. Aliás, conta bem contado, com humor e sem auto-indulgência. Até hoje não tinha visto um livro em que um jogador explicasse tão a miúdo como é jogar no exterior (provavelmente porque poucos jogadores teriam condição de fazê-lo). Para melhorar, a editora maisQnada fez um bom trabalho de diagramação, dando um ar esperto ao livro, cheio de ilustrações, fotos coloridas, boxes e outras bossas. Para quem quiser o livro e não ganhar a toreroteca, o site da editora é este aqui: http://maisqnada.com.br/

 

E vamos à pergunta da toreroteca, que é a seguinte: Quais serão os placares de:

São Paulo x Corinthians

Fluminense x Vasco

Vitória x Cruzeiro

Meu voto é 2 x 1, 2 x 0 e 0 x 1.

Se ninguém acertar os três placares, ganha quem acertar primeiro os dois primeiros.