Blog do Torero

Categoria : Sempre aos domingos

Sempre aos domingos: Plano de carreira
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Torero

Texto de Marcio R. Castro

 Este texto é para você, jovem e talentoso boleiro. Diferentemente de seus empresários, não cobrarei nada por este plano de carreira.

 Até porque, admito, não é um plano exclusivo ou mirabolante. Na verdade é bem simples, se refere especificamente a um ponto de sua trajetória: a transferência para o exterior.

 Como você sabe, futuro craque, (aliás, como sonhou desde que estava nos fraldinhas), é bem provável que num dia não muito distante você vá se aventurar por gramados internacionais.

 Quando as especulações começarem, por conta do seu ótimo futebol, é bom estar minimamente preparado. Por isso, vamos dividir seus possíveis destinos em alguns grupos de importância.

 No grupo 1 estão Manchester United, Arsenal, Liverpool e Chelsea, da Inglaterra; Milan, Inter e Juventus, da Itália; Barcelona e Real Madrid, da Espanha; e Bayern de Munique, da Alemanha.

 Negocie um bom contrato e vá para esses clubes de olhos fechados! Afinal, são os gigantes do futebol europeu, que sempre lutam pelos títulos das mais importantes ligas nacionais e continentais do planeta. O topo do topo, o monte Olimpo! Quando chegar aqui, aproveite sem moderação.

 Já no grupo 2, vemos Manchester City e Tottenham, da Inglaterra; Roma e Lazio, da Itália; Valência, Sevilha e Atlético de Madrid, da Espanha; e Borussia Dortmund, da Alemanha.

 Saiba que você jogará em clubes estruturados, tradicionais e cheios de combustível financeiro, também nas mais fortes ligas do mundo. Além disso, fazendo boas campanhas em algum desses times, logo terá sua chance de subir ao grupo 1.

 Agora, o grupo 3. Nele estão Everton e Newcastle, da Inglaterra; Fiorentina e Sampdoria, da Itália; Villarreal, da Espanha; e Bayer Leverkusen, Schalke 04 e Werder Bremen, da Alemanha. Além deles, Porto, Benfica e Sporting, de Portugal; Olimpique de Marselha, PSG e Lyon, da França; Ajax, PSV e Feyenoord, da Holanda; e Galatasaray e Fenerbahçe, da Turquia.

 Pense duas vezes antes de se transferir para os clubes desse grupo. São equipes médias dos países mais poderosos e as grandes agremiações de campeonatos menos disputados. É certo que temos aqui verdadeiras legendas do continente, como Ajax e Porto, mas sem o poder econômico e esportivo que já tiveram um dia. Sem contar que os times desse grupo oscilam bastante, podendo chegar a períodos de algum ostracismo. De qualquer maneira, será uma boa experiência. Seja feliz, se destaque e continue crescendo.

 Quer saber agora sobre o grupo 4? Bem, não existe grupo 4. Se o seu empresário estiver lendo este texto com você, chame os paramédicos, o sujeito pode ter um ataque a qualquer momento.

 Quando ele voltar do hospital, não aceite pressão para jogar em nenhum outro clube além desta lista. Eu já fui coração mole por você, poderia riscar sem piedade uns cinco ou seis times lá de cima.

 Por isso, seja firme! Bata o pé e mostre que seu agente trabalha para você, não o contrário. Timecos como Brescia, Almeria e Stoke City? Não. Propostas da Rússia, Ucrânia ou adjacências? Nunca. Do fabuloso mundo árabe, então? Nem em mil e uma noites.

 Mesmo recebendo melhor por determinado período, você acha que foi uma boa para a carreira do Taison, ex-Inter, ter ido parar no Metalist da Ucrânia? O mesmo bizarro destino do Cleiton Xavier, ex-Palmeiras. Com o futebol que eles jogam, será que não valeria a pena procurar algo melhor?

 E o Jucilei? Se destacando no Corinthians, vestindo a amarelinha, com a confiança do treinador… E o Diego Tardelli? Fazendo muitos gols, sempre rondando uma convocação, quase levado à Copa do Mundo… Será que foi uma boa decisão para os dois irem para o tal de Anzhi Makhachkal, da Rússia? Será que, jogando por lá, vão ser novamente lembrados?

 Vão argumentar que você vai deixar de ganhar muito dinheiro, de respaldar sua família e blá, blá, blá. Cá entre nós, seu salário em equipes de ponta no Brasil já é ótimo. Além disso, se tiver um pouquinho de paciência, em breve vai conseguir a tal da independência financeira, só que jogando no centro do mundo, não na periferia. Poderá marcar seu nome em clubes históricos, terá muito mais destaque na mídia, ficará sempre perto da Seleção e assinará polpudos contratos publicitários. No médio prazo, você tem tudo para ganhar muito mais do que se pensar apenas com a carteira num primeiro momento.

 Alguns podem almejar Belenenses ou Al-Ahlis da vida. Não você, que se diferencia dos demais. Por isso, jóia rara da bola, lembre-se sempre: entre o dinheiro e uma carreira gloriosa, escolha os dois.


O Fenômeno e o menino Ronaldinho
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Torero

Texto de Al-Chaer

Quis o destino que Ronaldinho (prefiro chamá-lo assim, como era nos tempos de Cruzeiro) anunciasse sua retirada dos campos de futebol justamente no dia em que o Mundo (com exceção do Brasil) comemora o Valentine’s Day, que é como um “Dia dos Namorados” estendido também aos amigos.

Hoje é dia de dar presente à quem se quer bem e a bola foi pega de surpresa, pois um de seus maiores amantes passará a não tocar mais nela, da maneira com que ela gosta de ser movida.

O saudoso Ênio Andrade, então técnico do Cruzeiro, quando lhe perguntaram o que ele achava do Ronaldinho (que já no início de sua carreira tinha marcado 49 gols em 50 jogos, marca esta somente superada pelo Rei) disse, com aquela tranquilidade:

“- A bola gosta dele.”

Ênio Andrade confirmava nesta frase o que seria uma profecia: a bola já tinha escolhido o Ronaldinho, como escolhera – para ficar apenas com alguns exemplos brasileiros – Garrincha, Tostão, Rivelino, Gerson, Zico, Romário e, mais recentemente, Paulo Henrique Ganso. Deixei o Rei Pelé de fora desta lista, porque – como diz o Pepe – Pelé é extraterrestre.

Um jogador que foi a quatro Copas do Mundo, Campeão em duas, escolhido em três temporadas o Melhor do Mundo e detentor do título de Maior Artilheiro de Todas as Copas não poderia mesmo ter tido outra denominação, senão O Fenômeno. Isto sem falar nas duas contusões gravíssimas (primeiro na Inter, depois no Milan), que ele superou com uma força de vontade que eu só tinha visto antes com o Zico. São casos de amor (verdadeiro) com a bola.

Por tudo que Ronaldinho representou, simbolizou e iconizou (existe este verbo?) não somente para o Brasil e os brasileiros, mas para o Mundo todo, esta História poderia ter sido diferente. Falo da Final da Copa de 98 e da convocação para a Copa de 2006. Não. Ronaldinho não merecia aquilo. Para o bem do Futebol e do próprio Ronaldinho, ele não deveria ter sido escalado para aquela final contra a França, nem deveria ter sido convocado para a Seleção com mais de 10 quilos (falam que eram 14!) acima do peso.

Eu sei que – lá no fundo – todo jogador brasileiro é aquele menino peladeiro que não quer ficar de fora, nem machucado. Mas, o Ronaldinho de 98 e de 2006 não era somente aquele menino que ele (até hoje) tentou trazer dentro dele. Ali era O Fenômeno e os interesses financeiros (que passam longe da alma do menino) não poderiam jogar o nosso Ronaldinho aos leões, para os fins de marketing e imagem. Não se faz isto com um jogador da categoria e da importância do Ronaldinho.

Nestes dois episódios, começaram a matar um pouco da alma do menino, que está – também – dentro de nós, torcedores. Quem ama o Futebol e acompanhou o Ronaldinho desde o Cruzeiro, vibrou com O Fenômeno, sabendo que – no fundo – estava lá o Ronaldinho, levando para o Mundo o menino que todos nós temos aqui dentro.

Quem me conhece sabe que desde 1990 eu deixei de torcer para a Seleção Brasileira. Sinceramente, apesar de que o Romário ganhou aquela Copa de 94 “sozinho” (tudo bem, tivemos ainda aquele passe do Bebeto), aquele título foi um desserviço ao Futebol, pois elevou um Parreira a um patamar em que ele nunca pertenceu, trouxe de volta o Gagallo para 98 (que nós tivemos que engolir) e, se já era pouco, a “sem-noçãozisse” (esta eu inventei, agora!) chegou a tanto que “rendeu” – na última Copa de 2010 – o posto de técnico (?) ao Dunga, aquele mesmo da “Era Dunga”.

Pois bem, naquela Copa de 94, a única vez que me levantei da poltrona, foi na prorrogação da Final, quando eu pensava que o Ronaldinho iria entrar e marcar o gol da vitória. Naquela época eu já torcia para o Ronaldinho.

Frustração: colocaram o Viola.

Quando Ronaldinho jogava pelo Barcelona e pela Inter, meus Domingos eram na casa de meus pais, junto com Meu Pai assistindo o Ronaldinho jogar. Minha Mãe vinha para a sala de TV trazer uns aperitivos, para a gente não ficar com a barriga vazia, pois o almoço ficava sempre para “depois do Ronaldinho”.

E, em 2002, também não torci para a Seleção Brasileira, mas quando a bola ia na direção do Ronaldinho, eu já estava de pé. Aquela taça que o Cafu levantou, para mim, era só Ronaldinho.

Eis que, quando todos davam a carreira de Ronaldinho encerrada, o Corinthians fez a Maior Contratação da História do Futebol Brasileiro. Era 2008. Foi o ano em que se juntaram dois Fenômenos: Ele e “o bando de loucos”. Foi o único ano em que a Série B foi mais importante que a Série A. Naquele ano, o Corinthians foi Campeão da Série B; em 2009, Campeão Paulista (com direito aquele “gol de placa” dele contra o Santos lá na Vila Belmiro) e Campeão da Copa do Brasil; em 2010, terceiro lugar na Serie A.
Ronaldinho ainda queria ser Campeão da Libertadores, para retribuir ao “bando de loucos”. Não deu. Faz parte do Futebol.

Ronaldinho disse, ao justificar sua retirada:

“- Perdi para o meu corpo.”

“- Sinto dor até para subir uma escada, e minha casa não tem elevador.”

Então, o dia tinha que ser mesmo este. Ironicamente, a bola recebeu um presente amargo, exatamente no dia de São Valentim.

Fico com os dizeres nas costas da camisa que ele recebeu do Presidente do Corinthians:

“#PARA SEMPRE 9 FENÔMENO”

É exatamente isto: quem parou foi o Sr. Ronaldo Luís Nazário.

E aquele menino Ronaldinho não para nunca aqui dentro das minhas quatro linhas, que demarcam, no meu peito e na minha memória, a minha paixão pelo Futebol.


A religião, o futebol e os tabus
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Torero

Marcus Vinicius Batista

            O templo ficava atrás de uma concessionária. Quando se busca a paz, o lugar não importa, até porque em ambos os endereços pagavam-se religiosamente todos os meses para viver o equilíbrio espiritual.

            O culto era realizado aos sábados, sempre às dez da manhã, com sol, chuva, frio ou feriado. Eram cerca de 25 homens fiéis, todos frustrados de alguma forma porque não alcançaram os sonhos de criança.

           Naquele espaço, uma vez por semana, alguns deles se aproximavam do paraíso. Outros pagavam seus pecados. Poucos atingiam o grau de redenção.

            O paraíso tinha comprimento e altura. Cinco metros por dois, mais ou menos. Ali, uma vez por semana, eu era o Judas, o traidor, o milagreiro às avessas. Um goleiro, aquele sujeito nascido para matar a beleza da religião, impedir a comunhão do gol.

            Como autor, dou-me o direito de ser parcial e filtrar os rumos da micro-história do templo verde sintético. Se tivesse que me confessar, diria apenas que sou um bom goleiro de time de bairro, o que me parece suficiente para um campo de futebol society. De bairro.

            Um sábado transformou-se o ritual em tabu. Por circunstâncias de sorteio (na verdade, a escolha é autoritária a partir de qualidade técnica), eu e um amigo, volante nas horas vagas, sempre caiamos no mesmo time. Ele nunca era um dos primeiros a serem escolhidos. Também não era dos últimos, o que indicava o desempenho mediano ao olhar alheio.

             A escolha era sábia: o volante carregava o piano à moda antiga. Pouca presença no ataque, vontade de vencer (o que significava dividir com/e os adversários), além de preparo físico invejável (qualidade em uma partida de barrigudos).

            Pouco me lembro destes jogos. Era só a válvula de escape das pessoas comuns. Reconheço que guardei com mais clareza as conversas antes e depois das partidas. Diálogos sobre literatura, escritores, cinema e crônicas.

           Cinco anos depois, o amigo-volante puxou papo sobre as missas aos sábados. Pensei que falaria sobre as conversas. Foi direto ao ponto: o dia que o céu fechou as portas para ele. O sábado em que quase fez um gol. Ele recitava o lance como o evangelho que escapa aos lábios de um narrador de rádio AM em tarde de clássico.

           A narração era tão precisa, tão detalhada que me senti em um daqueles filmes do Canal 100. O volante desceu pela direita, livrou-se do zagueiro adversário em velocidade e disparou o chute. A bola seguiu rasteira, com endereço certo no canto esquerdo do goleiro. Não me lembro, mas ele me disse que espalmei por milagre. A bola foi para escanteio.

           A história bastou para cicatrizar o tabu. Nunca tomei gols deste volante. Em cinco anos, apenas uma partida. Jogamos do mesmo lado, no mesmo campo atrás da concessionária, em Santos. Era um jogo amistoso entre o time do society, o Banguzinho, e um apanhado de escritores e jornalistas, que participavam de uma feira literária.

           Como jornalista, engrossei o coro dos literatos pernas-de-pau. Como escritores mais tagarelam sobre futebol do que o colocam em prática, o volante se transformou em um aguerrido meia.

            De nome José Roberto, o novo volante moderno, despediu-se do campo com honras, em seu último sábado. De sobrenome Torero, o volante de ligação manteve a virgindade, sofreu como um crucificado, mas resistiu à tentação de sacrificar seu próprio goleiro com um gol contra.

            Decidi não compartilhar a mesma camisa com ele na próxima pelada. Torero sabe que mais gostoso do que manter um tabu é quebrá-lo.


Craque com R
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Torero

Filipe Molina

 Outro dia me peguei pensando em um jogador brasileiro. O problema é que não consegui lembrar o nome dele. Será que alguém consegue me ajudar?

Ele surgiu no Brasil nos anos 90, e logo de cara foi dado como promessa. Rapidamente, devido sua habilidade, passou de promessa para realidade.
Já realidade, saiu do Brasil passou por um clube europeu de menor expressão e depois chegou ao Barcelona. Na cidade catalã ele se tornou craque Mundial e conquistou o prêmio de melhor do mundo da FIFA.

Em seu auge uma dúvida persistia, ele é atacante ou meia-atacante? A pergunta não foi respondida até hoje, mas mesmo assim ele fez miséria na ponta-esquerda, principalmente no Camp Nou. Lá ele fez gols de bicicleta, falta, driblando o goleiro, entre outras maravilhas.

Na seleção ele não repetia as grandes exibições como em seu clube. Mesmo assim conseguiu ser campeão em uma Copa e ser derrotado pela França em outra.

Talvez, por não ser unanimidade na seleção com o tempo ele foi perdendo seu espaço durante as eliminatórias da Copa. No Barcelona ele também perdeu espaço após desentendimentos com um treinador holandês.

Acabou se transferindo para o Milan e também não se firmou como titular e acabou ficando na reserva. Tanto no clube catalão como na seleção ele ostentou a camisa de número dez. Porém em sua passagem pelo clube italiano o número foi outro.

O Brasil, país em que ele está envolvido com administração de um clube na cidade em que nasceu para o futebol, foi o lugar escolhido para jogar após passagem frustrante no Milan. Porém o clube escolhido foi um que não tinha ligação anterior.

Me lembrei de uma coisa: o nome dele começa com a letra R, se não me engano é Rivaldo. Ou seria Ronaldinho?


O duelo que foi sem ter sido
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Torero

 Por Marcelo Lyra

Pois é, o esperado duelo ao por do Sol na São Silvestre com meu arqui rival José Roberto Torero acabou não ocorrendo. Primeiro porque estava nublado, mas principalmente pelo motivo mais tosco: apesar de estarmos os dois na mesma rua, armados e prontos para disparar (literalmente), simplesmente nos desencontramos na largada. Ele precisou chegar duas horas antes para encontrar a equipe de filmagens da nossa amiga Lina, que fazia um documentário. Como durmo e acordo tarde, às três horas, enquanto ele era equipado com câmera e microfone, eu equipava meu estômago com o almoço.

Combinamos, via equipe do documentário, de nos encontrar na esquina da Paulista com a rua Pamplona mas foi uma tentativa de amadores. Qualquer um que já correu a São Silvestre sabe que haveria tamanha aglomeração que seria impossível se deslocar, quanto mais achar alguém. Eu bem que tentei, mas a cada passo era preciso empurrar homens aranhas, papais noéis, um sósia do Tiririca (super aplaudido), vários chapolins, chaves, estátuas vivas, um Ayrton Senna e até um homem-touro, com chifres de verdade. Esse eu não ia querer atrás de mim. Vai que ele tropeça? E ele ainda dizia para todos que olhavam e riam: “Tá rindo do chifre? Você ainda vai ter um!”

Em meio àquela massa suada (muitos tinham feito aquecimento) que se comprimia a uma média de 15 pessoas por metro quadrado, não havia chances de encontrar meu inimigo. Nosso desafio tinha ido por água abaixo. Depois da corrida, descobrimos que o José Roberto estava há uns cem metros (ou duas mil pessoas) na minha frente. Era só gritar.

Conformado, tentava chegar um pouco mais a frente, já que cada pessoa que ultrapassasse agora seria um a menos para ultrapassar durante a prova. E cada centímetro adiante significava umas dez pessoas a menos.

A corrida estava prestes a começar e eu havia estabelecido três metas:

1)     Não parar de correr. Andar seria uma derrota.

2)     Fazer a prova em menos de 90 minutos.

3)     Chegar à frente do José Roberto.

Ok, ok, chegar à frente do José Roberto era o mais importante. Ao todo eram 21 mil corredores e eu não me importaria em ser o 20.999, desde que o sacana fosse o 21 mil. Tudo para não ler o texto sacana no blog. Após a tentativa frustrada de encontrar meu arqui rival, ainda estabeleci uma quarta meta que era não ser ultrapassado por nenhum corredor com fantasia ridícula.

Em meio à multidão, você só percebe que foi dada a largada porque começa uma gritaria. Dificilmente consegue-se correr antes de passar pelo tapete eletrônico que ativa o chip que cada corredor leva consigo. Dois minutos de passar pelo tal tapete (e meu tempo começar a valer), eu já estava correndo, ao contrário da lenda que corre (com pernas curtas), segundo a qual, na avenida Paulista, só se consegue andar.

A emoção é indescritível. Comecei a rir sozinho de alegria. Finalmente eu estava ali, correndo a mesma prova que o Marílson e alguns dos melhores quenianos do mundo. Ok, eles estavam bem lá na frente, mas quem se importa? Sei exatamente o que deve ter sentido o Bruno Senna ao largar no último lugar na sua primeira corrida de Fórmula 1.

Como a rua Consolação é só descida, continuei sorrindo pelos três primeiros quilômetros. Mas bastou pegar a subida da rampa de acesso do minhocão, lá pelo km 3 para cair a ficha de que a coisa não era brinquedo e, se eu continuasse sorrindo, não ia chegar nem na metade. Comecei a dosar as energias e respirar como qualquer corredor amador que se preze. Ou seja, diante do Minhocão, vi que a coisa era séria.

Passou o Minhocão, chegou o belo e descuidado centro velho de São Paulo.

Alguma coisa aconteceu no meu coração quando eu cruzei a Ipiranga e a avenida São João. Faltou ar, parecia ser um princípio de enfarte. Mas tomei um pouco da água que trazia comigo e fui em frente. Estava decidido a cruzar a linha de chegada, nem que fosse no helicóptero do Incor.

Lá pelo km 10 eu já havia ultrapassado um sem número (bom, pensando bem, todos tinham um número no peito) de fantasias, incluindo um romano, uma estátua viva e um maratonista com coroa de louros levando o que deveria ser uma tocha olímpica. Foi quando vi pouco a frente o Ayrton Senna. O sujeito estava de macacão, capacete e tudo. Lembrei da minha quarta meta, engatei a quinta marcha e fui em seu encalço. Ultrapassei-o dois minutos depois e juro que ouvi a narração do Galvão Bueno “Marrrcelo Lyra ultrapaaaaaaassa Ayrton!!!!” Ok, ok, o sujeito estava de macacão e capacete, devia estar com um calor danado. Mas que eu passei, passei. E deixei O Senna para trás.

O mundo da fantasia daria o troco a seguir, pois um sujeito fantasiado de Chapolin (com macacão e antenas), me ultrapassou. Acho que ainda ouvi um “Me sigam os bons!” Indignado, engatei a sexta marcha e fui em seu encalço. Acompanhei-o por uns dois minutos, mas não agüentei seu ritmo. O Chapolin era realmente bom.

Algumas pessoas ficavam nas portas das suas casas com mangueiras. Era só abrir os braços como que pedindo e te davam um providencial e refrescante jato d’água. Obrigado a todos!

A essa altura já estava lá pelo km 10 ou 11. Quando passei pelo antigo Mappin, lembrei do antigo slogan “Mappin, venha correndo Mappin”. Pois é, vim correndo, Mappin. Depois veio o Viaduto do Chá. O que eu não daria por um bom chá mate e uma poltrona! Ao fundo, vi aquele que é um dos meus cartões postais preferido da cidade, o viaduto Santa Ifigênia, que o Adoniram Barbosa imortalizou em música. Rendi minhas homenagens: juntei o que restava de fôlego para cantarolar um trechinho “Venha ver Eugênia… Como ficou bonito… O viaduto Sta Ifigênia”.

Quando chegou o km 12, vi o início da subida da Brigadeiro. Meus pés e os joelhos doíam, assim como as batatas da perna. Sinceramente, achei que ia desistir. Meu maior inimigo era eu mesmo. Estava com o celular e resolvi sacar e ligar a câmera filmadora dele, para registrar o momento da desistência. Pensei “Quem bom que o José Roberto não está por perto para assistir minha derrota”. Mal eu sabia que, pelas nossas contas posteriores, eu devia estar passando por ele naquele exato momento. Mas estava tão exausto que não conseguiria ver nem a Gisele Bunchen de biquíni. O link para as imagens do meu celular no Youtube é esse aqui http://www.youtube.com/watch?v=sqQ9LEcu12M

Um cara passou por mim me sacaneando, bem no momento em que eu dizia para a câmera “Até agora não parei, mas acho que vou desistir”. Ele ouviu e disse: “Parou sim que eu vi!” Isso me deu um ânimo extra: “Agora é que eu não desisto”. Até consegui conversar com o cara, que estava na sua segunda S. Silvestre, tinha 37 anos e se chamava Márcio Preti, veterano corredor de diversas corridas de 10km.

Quando vi, já estava quase no final da subida. “Vai dar!”. Aguentei firme, mais gente começou a me apoiar. Umas meninas lindas começaram a gritar meu nome e achei que era miragem. Depois lembrei que abaixo do número do peito tinha meu nome, elas apenas leram. Foi um belo estímulo.

Quando cheguei na avenida Paulista, do nada parecia que eu voava! Corria leve e veloz. Achei até que tinha morrido e minha alma tinha abandonado o corpo. Na verdade, descobri uma coisa que ninguém nunca tinha me falado sobre a São Silvestre: quando a subida acaba e você começa a correr no plano, a sensação é que estamos uns vinte quilos mais leves. Comecei a ir mais rápido e vi a reta de chegada. “Vai dar! Vou conseguir!” Voltei a rir sozinho. Cruzei a linha de chegada inteiro e sorrindo, uma emoção incrível! Ainda não acredito.

Dois metros adiante um cara tinha desmaiado e era socorrido por paramédicos e alguns atletas. Olhei preocupado, pois poderia ser o José Roberto. Alívio, não era. Alívio número dois, notei que, na maca, ele tomava água e parecia estar bem, só exausto.

Completei a prova em exatos 88 minutos, ou seja, se o Marílson tivesse dado duas voltas, não me alcançaria. Achei que não fui nada mal, afinal ele treina todo dia e recebe para isso. De quebra, dez minutos à frente do arqui rival. Cumpri todas as minhas metas exceto o maldito Chapolin Colorado. Ano que vem ele não me escapa!


ABC de 2010
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Torero

Texto de Douglas Aluizio

A – de Ahmadinejad, nunca na história desse País, ouvi nos telejornais nego
se enrolando pra pronunciar o nome do presidente do IRÃ…kkkk
 
B – Bruno, ex goleiro do Flamengo é acusado de ser um dos responsaveis da morte de sua ex namorada.
 
C – Copa do Mundo da Africa vê surgir a Espanha como a mais nova seleção campeã do mundo de futebol.
 
D – Dilma Russef é eleita a primeira mulher presidente da história do Brasil.
 
E – Eyjafjallajokull, o vulcão islandês, A Europa viveu em abril de 2010 a pior crise aérea da história. A causa: as gigantescas nuvens de cinzas expelidas pelo Eyjafjallajokull.

F – Filme – Tropa de Elite, entra pra história do cinema nacional, sendo visto por mais de 10.000.000 de pessoas.
 
G – Guillermo Fariñas, dissidente cubano, desafiou o regime de Raúl Castro com uma greve de fome de 135 dias, em protesto pela morte do preso político Orlando Zapata.
 
 H -Haiti – Mais de 250 mil pessoas morreram e 1,3 milhão permanecem desalojadas por conta do desastre.
 
I – Ipad é lançado no Brasil.
 
J – Jabulaaaaaaaaaaaaani, a bola mais comentada em 2.010.
 
K – Kaká, mais uma vez decepcionou na copa do mundo.

 L – Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil, Lula deixa o cargo com índices de aprovação altíssimos e visto como um dos líderes mais bem sucedidos da América Latina

M – mineiros, 33 são resgatados em outubro, no Chile

N – Néstor Kirchner, morre em 27 de outubro na Argentina
 
O – Octa, Santos e Palmeiras são reconhecidos como octacampeoes brasileiros pela CBF.
 
P – Paul McCartney volta ao Brasil, e faz 2 shows em São Paulo, no Morumbi.
 
Q – Quebrado, ficou Silvio Santos com o rombo de 2.5 bilhões no banco Panamericano.

R – Rio de Janeiro, vive guerra urbana com vitoria simbólica da policia contra o tráfico.

S – Sakineh Ashtiani, a mulher que teve suspensa o seu apedrejamento, foi noticia em todo o mundo.
 
T – Tiririca, se torna o deputado mais bem votado nas eleições, com mais de 1.000.000 de votos.
 
U – Um dia de Fúria com Michael Dunga, bombou no youtube durante a copa do mundo.
 
V – Volei masculino – Embaixo de acusações de terem entregue jogo, volei masculino é tricampeão na Itália. 

X – Xavi, destaque da Espanha na Copa do Mundo
 
Z – Na Matemática, Z representa o conjunto dos números inteiros. e é como quero entrar  em 2011….


 

Feliz Ano Novo a todos….


Mundial de clubes: uma década sem futebol brasileiro
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Torero

 Texto de Marcio R. Castro*

Em 98, num jogo emocionante, Vasco e Real Madrid decidiam o título mundial na Copa Intercontinental. Grandes jogadas, chances de gol para os dois lados, golaços e quase golaços, bolas salvas em cima da linha. Foi simplesmente de arrepiar.

O Vasco perdeu jogando um futebol envolvente e vistoso, absolutamente de igual para igual com os europeus. Em boa parte da partida, jogou melhor.

No ano seguinte, era a vez do Palmeiras representar o Brasil e o continente. Contra o Manchester United, outro ótimo jogo. Mas com muito menos equilíbrio: a equipe brasileira dominava a partida amplamente, criava chances claras, encurralava os ingleses. Alex chegou a marcar, mas o juiz anotou impedimento, equivocadamente.

Jogando de forma convincente, buscando sempre o gol e controlando as ações na maior parte do tempo, o Palmeiras merecia sorte melhor. A taça ficou com os ingleses.

Já em 2000, dessa vez no Campeonato Mundial de Clubes, que a FIFA criou para substituir a Copa Intercontinental, foram Corinthians e Vasco que entraram em campo. Os paulistas deixaram o Real Madrid pelo caminho, com direito a um jogaço entre os dois que terminou empatado, e os cariocas atropelaram o Manchester United, numa atuação de gala de Edmundo e Romário.

Os clubes brasileiros, brasileiros que são, jogaram à brasileira, com técnica, habilidade e poder ofensivo. Numa final nacional, o Corinthians foi o campeão.

Dez anos se passaram desde então. Infelizmente, dez anos em que o futebol brasileiro não foi mais visto nos mundiais de clubes. Por duas vezes fomos campeões, é verdade. Mas jogando com medo, retrancados, sem confiança, sem brilho. Sem a alma do nosso jogo.

Em 2005, o São Paulo foi massacrado pelo Liverpool por praticamente o jogo todo. Para se ter uma ideia da artilharia disparada, os ingleses chegaram a ter três gols anulados pelo juiz – todos bem anulados, por sinal. Quase como um prêmio individual ao Rogério Ceni, o São Paulo levou o título.

O Internacional, ganhando e perdendo, repetiu o enredo por duas vezes. Em 2006, se encolheu de forma deprimente contra um Barcelona que, estupefato, nem pressionou tanto quanto a postura colorada poderia indicar. Agora em 2010, quando parecia que os gaúchos eram capazes de fazer bonito, voltaram para casa com uma das maiores derrotas da sua história, surpreendidos pelo Mazembe. 

O mal da década se alastrou para além dos clubes e afetou também a seleção, resultando no inexplicável dunguismo que nos assolou. Agora, Mano Menezes ensaia os primeiros passos em busca de uma vacina. Mas a cura só virá quando respeitarmos novamente o que nos fez únicos nesse esporte. Essa é a premissa: nos lembrarmos de quem somos.

Ainda podemos resgatar o jeito brasileiro de jogar futebol, criativo, ousado, cheio de brilho e competitivo ao mesmo tempo. Para novamente conquistar o mundo sem olhar para baixo, sem pedir desculpas. Como o redentor Palmeiras de 51, o eterno Santos de 62 e 63, o arrasador Flamengo de 81, o destemido Grêmio de 83 e o refinado São Paulo de 92 e 93.

Como vimos, vitórias e derrotas podem acontecer de várias maneiras. Ganhar ou perder faz parte do jogo. Mas, se fizermos do nosso modo, com o nosso estilo, ganharemos mais. E, se perdermos, perderemos melhor.

*Marcio R. Castro é torcedor do Palmeiras.


O futebol na música popular brasileira
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Torero

Luiz Guilherme Piva

É possível aproximar algumas letras da música brasileira a partir da forma como elas tratam o futebol. Neste texto, tento identificar umas poucas temáticas que me parecem mais chamativas.

Uma delas é a associação do futebol com a alegria e o descanso do domingo, oposto à luta e ao trabalho sofrido da semana. Chico Buarque, em Bom tempo, comemorava o fato de se vingar no domingo do duro que dava toda a semana e poder sair por aí “satisfeito, a alegria batendo no peito, o radinho contando direito a vitória do meu tricolor”. 

Fausto Nilo, em Pão e poesia (com melodia de Moraes Moreira), como o próprio título adianta, faz a mesma relação, talvez um degrau acima, acrescentando ao domingo e ao futebol as idéias de felicidade, amor e poesia, contrapostas à batalha ingrata da semana – ou da vida real. Felicidade, ali, é “fazer gol e namorar”, possíveis depois que “a fábrica apitar”, ou seja, no final da semana, quando é possível esquecer “a luta desigual, a força bruta”: “nesse dia é feriado, não precisa trabalhar”.

            Paulo César Pinheiro (com melodia de Francis Hime), em Catedral, vai no mesmo tom de futebol como elevação poética ao comparar o Maracanã, nos domingos, a uma catedral (note-se que também nesta é no domingo que ocorrem as principais celebrações “da festa popular”: “domingo é lá que a poesia vai rolar”.

            A importância do domingo e do futebol aparece também em A nível de…, letra de Aldir Blanc (com melodia de João Bosco), mas com uma dimensão nova, que é a do conflito entre homem e mulher, muitas vezes por causa do próprio futebol. No caso desta letra, a preferência pela ida ao estádio pode ser causa ou conseqüência da crise conjugal: dois amigos vão todos os domingos ao Maracanã, enquanto suas esposas ficam em casa – e os quatro têm em comum o fato de, nessas horas, se dedicarem a criticar o casamento.

Gol anulado

Chico Buarque igualmente registra o conflito entre homem e mulher por causa do futebol em Biscate, em que a esposa se dedica a fazer agrados, doces e carinhos ao marido, mas ele não lhe dá a mínima e ainda reclama: “quieta que eu quero ouvir Flamengo e River Plate!”. Ela se queixa também de que ele não resiste a um “rabo de saia”. É quase o mesmo casal de Com açúcar, com afeto, também de Chico Buarque, no qual o desvelo da mulher, que tenta, com o doce predileto do marido, segurá-lo em casa, se frustra porque ele sai para os bares, onde “alguém vai sentar junto, discutindo futebol”, e ele vai “ficar olhando as saias” de outras mulheres.

Esse conflito entre o futebol e a mulher pela preferência do marido, com clara escolha deste em favor do futebol, chega ao cume em duas letras de Aldir Blanc (ambas com melodia de João Bosco): Incompatibilidade de gênios e Gol anulado. Na primeira, é como se aquele casal de Biscate falasse novamente (na verdade, antes, dado que esta letra de Aldir é anterior àquela de Chico). O marido quer se separar da mulher por conta de uma série de atitudes dela que ele julga insuportáveis, entre elas a seguinte: “jogava o Flamengo, eu queria escutar; [ela] chegou, mudou de estação e começou a cantar”. Na segunda, o caso é mais grave. O marido se separa de fato da mulher, e antes disso aplica-lhe uma surra porque ela deixa escapar que é flamenguista ao gritar gol de Zico, o que ele toma como uma enorme traição: “três anos vivendo juntos, e eu sempre disse, contente, a minha nega é rainha porque não teme o batente, dá duro lá na cozinha e ainda é Vasco doente”. Termina o amor – e a letra identifica a ruptura com um gol anulado, o jogo terminado, o rádio desligado.

            Tom Jobim, em Falando de amor, reconhece o grande conflito entre o futebol e a mulher amada e, apesar de, ao contrário dos personagens das letras acima, escolher a mulher, ressalta o grande valor de sua escolha e o tamanho de seu amor justamente pela comparação com o que haveria de muito precioso: “quando passas tão bonita (…) eu me esqueço até do futebol”.

            Pedalada

A síntese (dialética, dizia-se antigamente) do domingo como celebração da alegria e do futebol, trazendo junto o amor, a música e o prazer, mas também como espaço para os conflitos, brigas, traições, opressões e signos negativos da dureza da política e da vida, estão em Linha de passe, letra de Aldir Blanc (com melodia de João Bosco). Nela, o domingo começa com um enorme piquenique, com muita comida, sexo (insinuado pelas formas e nomes das comidas), samba e futebol harmonioso (o tipo de treino que dá nome à canção).

Mas em dado momento instala-se a confusão, o momento bom fica para trás, “já era o Garrincha”, “hoje em dia rola a bola, é sola, esfola, cola, é pau a pau” e a harmonia acaba (“meu pirão primeiro”). No final, fica claro que a mudança no piquenique, na harmonia e no futebol é também uma metáfora do Brasil, que deixara um tempo melhor para trás e vivia sob a ditadura, sob a qual traidores ganhavam espaço: “e a pedalada quebra outro nariz na cara do juiz; e há quem faça uma cahorrada e fique na banheira ou jogue pra torcida feliz da vida”.

            Pedalada, na letra de Aldir, nada tem a ver com a jogada consagrada recentemente por Robinho. Refere-se, provavelmente, a um ex-jogador de futebol apelidado de Didi Pedalada (falecido em 2005). Ainda quando jogador (atuou no Atlético Paranaense e no Internacional), em 1978, participou do sequestro de um casal de esquerdistas uruguaios no Brasil como parte da chamada Operação Condor (ação conjunta das ditaduras latino-americanas da época). O fecho sombrio da letra dá o novo conteúdo ao domingo. E, por extensão, dada a vinculação entre eles, ao futebol.

E eis que o sentido do futebol então, em muitas letras de canções, será negativo, associado à tristeza, à alienação, à opressão.

            Transformando a partida em pedreira

            Agora, o futebol, o samba e a festa são quase o oposto do que se diz nas letras acima apresentadas. São o sinal da alienação, da exploração, do sofrimento do povo mais simples, que se embevece com tais ilusões e não vê a pedreira que enfrenta; quando antes eram a poesia contra a dureza da vida. Mais até, são utilizados pelos dominadores políticos e exploradores econômicos para manter a injustiça e a opressão.

            Gonzaguinha foi um dos compositores que foram mais fundo nessa leitura. Uma de suas composições é sintomaticamente intitulada E por falar no Rei Pelé, já dando a chave da mensagem: o futebol é o circo com que se oculta a realidade, na qual o povo, oprimido, trabalha e sofre. Na canção, “craque mesmo é o povo brasileiro”, que “corre (…) se esforça (…), com os homens em cima em marcação, transformando a partida em pedreira”. Outra de suas composições (Se o meu time não fosse campeão) leva ao paroxismo essa visão. Nela o torcedor se empenha e briga pela vitória do seu time, se entregando depois a comemorar o campeonato. Não lhe importam a falta de dinheiro e a “batalha da vida”. Só a hipotética derrota do time é que o levaria à revolta – que é uma forma oblíqua de dizer que provavelmente é o futebol que o impede de se revoltar com as injustiças reais, capturando sua energia e obscurecendo sua consciência.

            Chico Buarque também emprega essa idéia. Em Meu caro amigo (com melodia de Francis Hime), cuja letra simula uma carta a um brasileiro exilado pela ditadura militar, a mensagem, apesar de anunciar que serão relatadas muitas coisas, se restringe a dizer que “a coisa aqui tá preta” e que “aqui na terra estão jogando futebol, tem muito samba, muito choro e rock’n’roll”. Há uma certa metalinguagem ao se evidenciar que não se pode escrever e contar o que se pretende. E há a ironia pesarosa de que futebol e música cumprem seu papel de circo.

            A mesma idéia se encontra em Deus lhe pague, e aqui, além do futebol, também as mulheres, as saias, a praia e o domingo (que estão com outros valores nas canções citadas no início) viram do avesso. Passam a ser parte da alienação e da dominação autoritária. A fala, na letra, é de alguém que, sendo presumivelmente miserável, agradece, de forma irônica ou ignorante, pelas coisas de que usufrui, tais como o “futebol pra aplaudir, um crime pra comentar e um samba pra distrair (…), essa praia, essa saia, pelas mulheres daqui (…), pelo domingo que é lindo, novela, missa e gibi”.

            Outra forma de apresentar essa alienação está em De frente pro crime, letra de Aldir Blanc (com melodia de João Bosco). Trata-se igualmente de um crime para ser comentado, mas com indiferença, pelos que vêem o defunto estendido no chão – também presumivelmente pobre e desprovido de identidade. O futebol aparece na despersonalização do morto (“em vez de rosto uma foto de um gol”) e na frieza e no distanciamento dos assistentes (“sem pressa foi cada um pro seu lado, pensando numa mulher ou num time”).

            Arte popular brasileira

                Mas a presença do futebol como fonte de alienação ou como instrumento auxiliar do domínio político mais parece ter sido uma fase – com justificação histórica até – do que uma vertente das letras das canções. A idéia mais forte e mais funda de alegria e manifestação de riqueza cultural se impõe com grande vantagem.

            Há, em muitas canções, a expressão do futebol como arte, seja pela beleza plástica de sua execução, seja por ser (como defende certo conceito de arte) linguagem coletiva. Mais ainda: trata-se de arte popular (criada e exercida pela gente mais simples) e autenticamente brasileira, o que nos faria diferentes, únicos (e melhores), em relação a todas as outras nacionalidades. Não só no talento para jogar, mas também no caráter, dado que o futebol brasileiro carregaria, nessa leitura,  alegria, espontaneidade, criatividade e improviso. Aliás, este registro de particularidade do caráter brasileiro (e de suas supostas alegrias e criatividades) está presente em muito da produção intelectual brasileira.

            A arte do futebol, por vezes, supera a própria arte em suas manifestações tradicionais. Em O futebol, Chico Buarque cita o trabalho de compositores e pintores como incapazes de atingir o efeito de certas jogadas : “para tirar efeito igual ao jogador, qual compositor?”, “que pintor para emplacar, em que pinacoteca, nega, pintura mais fundamental que um chute a gol?”. Caetano Veloso, em Reconvexo, lista o ex-craque do Bahia, Bobô, entre outros símbolos de cultura popular: “Olodum balançando o Pelô, (…) novena de Dona Canô, (…) mendigo Joãozinho Beija-Flor, (…) elegância sutil de Bobô”.

            Uma síntese das idéias aqui expostas está em Sangue, suingue e cintura, de Moraes Moreira: “bola é arte do povo, sua alegria Deus manda. Mistura de pés, futebol e arte, que em nenhuma outra parte do mundo há”. O mesmo Moraes Moreira formula a importância do futebol para o povo humilde e para as crianças em Saudades do galinho. E eis que novamente a articulação entre o futebol, o domingo e a superação da dureza da vida do povão ganha vigor.  Com a venda de Zico para a Udinese, da Itália, em 1983, o compositor lança dúvidas que não são apenas futebolísticas: “e agora, como é que eu fico nas tardes de domingo, sem Zico no Maracanã? E agora como é que eu me vingo de toda derrota da vida, se a cada gol do Flamengo eu me sentia um vencedor? Como é que ficam os meninos (…), arquibaldos, geraldinos, como é que fica o povão?”.

            Defende-se que o futebol é prática autêntica e popular, jogada desde criança nas ruas do Brasil. Isso é que faz nossa seleção melhor do que as outras, como na letra de Reis da bola, de Moraes Moreira, na qual nossos jogadores são apresentados, a partir do título, como oriundos do “jogo de rua, da bola de meia”. Aqui deve se destacar, adicionalmente, que a associação entre criança e futebol traz à tona, além das idéias de espontaneidade, alegria e criatividade, a de tempo feliz. Chico Buarque, em Doze anos, expressa saudades de chutar lata, dar banda por aí (seria possível até conectar esse passado ao futuro anunciado na letra de Bom tempo, que vimos no início), das travessuras e do “futebol de rua”. Toquinho, em A bola (com melodia de Mutinho), estabelece identidade total (é o mesmo “ser”) entre a bola que balança a rede e instala a “festa no Maracanã” e a que vai “de pé em pé (…) da chuteira do menino à vidraça da mulher”.

            Galvão, em Só se não for brasileiro nessa hora (com melodia de Moraes Moreira), formula praticamente a consolidação poética dessa idéias. Apresenta-se como um adulto que, para escapar ao sofrimento, tenta continuar a ser  o mesmo menino que corria atrás da bola nas ruas de sua pequena cidade. O sofrimento talvez se tenha inaugurado quando ele quebrou a vidraça da vizinha e ela furou sua bola no meio da rua. Sua opção, como adulto, entre a vida dura e o refúgio que busca no menino que deixara de ser, é a de escolher a vida que, como uma pelada de rua, segue existindo na criança. O fecho da letra descreve um menino que, jogando futebol na rua, correndo atrás da bola, fica à mercê de ser atropelado: “pára, apito; pára, grito”. Mas o menino segue e, “quando já não há tempo”, faz sua escolha: “e o menino deixa a vida pela bola.” Diagnostica o letrista: “só se não for brasileiro nessa hora!”.

            Depreende-se que o menino morreu em causa maior, cumprindo um destino que é mais forte do que ele mas ao mesmo tempo é sua escolha, sua preferência, sua realização, seu prazer. E que morreu feliz.

            Provavelmente num domingo.

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Luiz Guilherme Piva publicou Ladrilhadores e semeadores (editora 34) e A miséria da economia e da política (Manole).


Sobre imperadores e melancias: esclarecimentos à imprensa sober a unificação
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Torero

Texto de Marcio R. Castro

A unificação dos títulos brasileiros (que seria mais correto chamar de equiparação) deixou o mundo do futebol em polvorosa, mesmo antes de se tornar oficial. E não me refiro somente a torcedores, dirigentes e jogadores, mas principalmente a jornalistas.

Por todos os cantos, vejo análises de jornalistas renomados, que acompanho e admiro, cheias de reservas e desinformação. É preciso, então, esclarecer as dúvidas e ressalvas que vêm assombrando nossa imprensa.

Uma delas é que, futuramente, outros clubes poderiam solicitar a “unificação” dos títulos da Copa do Brasil, já que a competição seria hoje o que foi a Taça Brasil de 59 a 68. É o que afirma Alberto Helena Júnior, por exemplo.

A comparacão é um grande equívoco. A Taça Brasil, quando surgiu, era a única competição nacional do país. Aliás, ela foi criada justamente com o intuito de eleger o campeão brasileiro de futebol e, por consequência, de indicar o representante nacional na Libertadores da América.

A Copa do Brasil, ao aparecer, ocupou óbvia e imediatamente o espaço de segundo torneio nacional, já que, desde 1959, existia uma competição principal que valia o título de campeão nacional.

Portanto, Helena, qualquer movimento para conferir à Copa do Brasil (e à Copa dos Campeões, outra copa nacional disputada entre 2000 e 2002) o mesmo status da Taça Brasil, do Torneio Roberto Gomes Pedrosa e do Campeonato Brasileiro deve ser acompanhado por boas risadas.

Não são poucos, também, os que batem na tecla do número de jogos que se realizava para ganhar a Taça Brasil. É o caso dos jornalistas Juca Kfouri e Rodrigo Bueno, que apontam com objeção as meras 4 ou 5 partidas que Santos e Palmeiras precisaram para levar os troféus.

Isso se deve à fórmula de disputa, que previa que os campeões paulistas e cariocas entrassem na competição somente nas semifinais. Não era uma proteção. O que se levava em conta era que os campeonatos estaduais de São Paulo e Rio eram muito mais fortes e acirrados do que os outros (ainda o são hoje, mesmo que em escala bem menor), e por isso seus campeões ganhavam esse “privilégio”.

Explicado o sistema de classificação, não vejo jornalista nenhum desconsiderar os titulos mundiais da Copa Intercontinental, conquistados em um ou dois jogos apenas, nem os da atual Copa do Mundo de Clubes da FIFA, que também pode ser resolvida em duas partidas e na qual clubes europeus e sul-americanos entram numa fase mais adiante.

O paralelo é exato: na Taça Brasil, os estaduais serviam como “fase de classificação”, assim como as competições continentais são para o Mundial. Na Taça Brasil, os clubes vindos dos estaduais mais fortes e tradicionais entravam numa fase mais avançada; no Mundial, os times vindos dos campeonatos continentais mais fortes e tradicionais, também.

O Santos foi campeão sul-americano em 63 fazendo apenas quatro jogos e entrando numa fase mais avançada da Libertadores. O Independiente, também, ao entrar direto na semifinal de 65 e disputar só cinco jogos. Na época, o regulamento previa essa primazia aos atuais campeões. Alguém acha que essas conquistas devem ser desconsideradas? Ou devem ter um status diferente das Libertadores disputadas hoje?

Por isso, Juca e Rodrigo, é evidente que a quantidade de jogos disputados não deve ser levada em conta para eleger um campeão nacional, continental ou mundial. O que importa, mesmo, é se o torneio tem o significado que alega-se ter. Tanto a Taça Brasil quanto o Robertão, tinham.

Vi também o Celso Unzelte e o PVC se utilizarem de uma metáfora para contestar a equiparação. Segundo eles, não é preciso chamar Dom Pedro I de Presidente da República para reconhecer seu valor. Já o Sérgio Xavier, na mesma linha, argumenta que “é como pegar melancias e maracujás e dizer que é tudo laranja”. Do nada, de acordo com ele, “tudo virou Brasileirão”.

Não é nada disso. O termo unificação, que vem sendo usado, se refere à dimensão das conquistas, não a suas nomenclaturas. Ninguém está chamando Dom Pedro de presidente. Apenas afirma-se que ambos, presidente e imperador, são chefes de estado. O Fluminense, por exemplo, é três vezes campeão brasileiro, por ter conquistado um Robertão e dois Campeonatos Brasileiros. Melancia continua sendo melancia, laranja continua sendo laranja.

Outros tantos jornalistas, como Renato Maurício Prado e Roberto Assaf, apontam os anos em que a Taça Brasil e o Robertão foram concomitantes como uma discrepância inadmissível. Ainda mais que, em 67, o Palmeiras ganhou os dois torneios.

No futebol paulista, de 1926 a 1929 e em 1935 e 1936, mais de uma equipe foi campeã estadual, no mesmo ano, por conta de ligas paralelas. Em 73 também, dessa vez por lambança do juiz. No Rio, em 79, foram disputados dois estaduais, o que tornou o Flamengo bicampeão num único ano.

Em 2000, há apenas dez anos, tivemos dois campeões mundiais: o Boca levou a Copa Intercontinental e o Corinthians o Campeonato Mundial de Clubes.

Atualmente, na Argentina, Chile e Colômbia, dois campeões nacionais são consagrados por ano, com o Apertura e o Clausura. Aliás, o River em 97, o Colo-Colo em 2006 e 2007 e o Atlético Nacional em 2007, foram bicampeões numa única temporada.

Seja qual for o motivo (competições paralelas, regulamentos inusitados, mudanças políticas), fica claro que transformações que ocorrem no esporte ao longo do tempo já fizeram com que, no mesmo ano, campeões de mesma representatividade e significado fossem apontados. Não me parece que o Assaf e o Renato achem razoável desconsiderar os títulos mencionados acima.

No caso da Taça Brasil e do Robertão, houve um período de transição em que um campeonato foi se tornando mais relevante, enquanto outro começava a desaparecer. Semelhante aos dois mundiais de 2000 e aos estaduais paulistas das décadas de 20 e 30. Nos anos em que foram simultâneas, 67 e 68, ambas as competições devem ser reconhecidas, como se faz em todos os casos parecidos.

Para terminar, uma reflexão sobre o que escreve o jornalista Emerson Gonçalves: “não há porque desmerecer o passado tentando reescrevê-lo”.

Essa inversão do que de fato aconteceu é absolutamente espantosa. A História foi reescrita quando, a partir de 1971, as conquistas anteriores foram relegadas. A Taça Brasil, primeiramente, e o Robertão, na sequência, foram competições criadas e organizadas oficialmente, justamente com o propósito de eleger os campeões nacionais. Isso está fartamente documentado, em pilhas e mais pilhas de jornais e revistas da época, em rolos e mais rolos de negativos do Canal 100. 

Não há canetada alguma, não há tapetão nenhum. A Taça Brasil e o Torneio Roberto Gomes Pedrosa foram vencidos em campo, brilhantemente, e davam aos ganhadores o título de campeão brasileiro de futebol. O que está sendo feito agora nada mais é do que a redenção da História, meus caros jornalistas. E isso precisa ser informado.