Eu, São Silvestre e o Super-Homem
Torero
(Eis cá a continuação do texto de ontem)
Motivação é o segredo.
Em 1998 corri a São Silvestre e não fiquei exatamente entre os primeiros. Fui o 7.563º a cruzar a linha de chegada. E o pior: no final fui ultrapassado por um corredor que usava óculos e uma esdrúxula roupa de Super-Homem.
Para esta prova de 1999 prometi a mim mesmo que melhoraria minha posição e que venceria o Homem de Aço. Motivação é o segredo.
Preparei-me com esmero.Troquei a Fanta Uva por Gatorade, o toucinho matinal por Fibrax, a feijoada de sábado por alfaces, chicórias e agriões. Nadei diariamente, tive aulas de alongamento, musculação e axé music.
Quando o dia chegou, estava pronto para a vingança, para vencer o filho de Kripton.
Cheguei à Paulista faltando meia hora para a prova. O tempo estava quente, abafado e úmido, mas nada disso importava. Alonguei os músculos, amarrei os tênis com laços duplos e rezei uma ave-maria. De repente, lembrei-me que tinha esquecido de me hidratar. Corri então para o bar mais próximo e tomei apressadamente dois litros de água mineral.
Voltei à pista e quem vi? Sim, ele, o invencível, o insuperável, o invulnerável Super-Homem. Ao me ver, o miserável ajeitou seus óculos e, lançando um risinho de superioridade, entregou-me o indefectível folheto com a frase: “”Quer emagrecer? Fale comigo”.
A prova começou e disparei como uma gazela que foge do fogo, como um tigre atrás da presa, como um cavalo no cio que procura sua fêmea. Passei quatro Elvis Presleys, três Ayrtons Sennas, dois Lampiões e cinco Carmens Mirandas.
Logo me juntei aos profissionais e fugi daqueles barrigudos decrépitos e suas fantasias ridículas. Aliás, meu uniforme para este ano foi uma camiseta roxa, short laranja, boné violeta e tênis fosforescente verde-limão. Ou, se preferirem, verde-kriptonita.
Tudo corria bem até que, ao chegar à avenida Rudge, minha bexiga falou: “Aqueles dois litros foram demais!”
Meu cérebro tentou contemporizar: “Você não pode aguentar até o fim da corrida?”
Mas a bexiga, impaciente, respondeu: “Você está brincando? Eu vou explodir!”
Então tive que sair da pista e ir atrás de uma rua deserta, o que não é fácil em dia de São Silvestre. Até que achei uma, mas demorei para encontrar o caminho de volta.
Depois de perder sei lá quanto tempo zanzando, cheguei à Brigadeiro Luís Antônio. As pessoas me aplaudiam e pensei que ainda estava bem colocado, mas então um gago gritou: “”Vo-você é o ú-ú-último, mas tenha f-f-fé!””
Último!
Dei um pique extraordinário e cheguei à Paulista ainda a tempo de avistar um corredor: justamente o Super-Homem de óculos.
Corri como um político que quer pegar o vôo de Brasília para a sua cidade natal numa quinta de manhã, mas percebi que não ia dar. Então tirei um de meus tênis verde-kriptonita e arremessei-o contra a cabeça do Homem de Aço, que caiu desmaiado. Não, ele não era invulnerável.
Cruzei a faixa e recebi uma medalha de participação. Para comemorar, comprei uma Sidra Cereser sabor pêssego e a estourei como se fosse um Paul Tergat. Foi então que olhei para trás e vi o tal Super-Homem correndo em minha direção. Saí dali o mais rápido que pude. Ele só parou de me seguir depois de quarenta minutos e quinze quilômetros.
Acho que este ano atiro o tênis na cabeça dele logo no começo da corrida. Motivação é o segredo.