Sempre aos domingos
Torero
gostou quando o lateral-direito entrou na área e, na hora do chute, levou uma trava tão forte que seu pé se ergueu para trás, como se fosse voar até as costas. na câmara lenta foi possível sentir as travas do outro quase penetrando o dorso do seu pé. esfregou as mãos de satisfação, abriu outra lata de cerveja, acendeu o cigarro. assim é que é bom, pensou, jogo de macho. o volume da tv muito alto, os filhos da vizinha brigando e gritando, o boteco embaixo com o som ligado, de vez em quando o avião com o ruído, sua vontade era chegar na janela e gritar “porra, vão fazer silêncio!”. fim de jogo, raspou a comida da panela. deitou no sofá, com as almofadas tapando os ouvidos. não quer, mas só pensa num dia, aos onze anos, camisa do flamengo, de mãos dadas com o pai e a grama larga de sol.
Texto: Luiz Guilherme Piva
Ilustração: André Bernardino