Blog do Torero

Sobre Ronaldo e Camus

Torero

 Texto de André Assis

Duas frases do goleirósofo Albert Camus estão, creio, no panteão dos que gostam de assistir ao jogo de bola e de tentar entender o sentido da vida: ''devo ao futebol tudo o que aprendi nesta vida sobre moralidade e obrigações” e ''o suicídio é a única questão filosoficamente importante''. Acrescente-se aí uma terceira, que ombreia as duas primeiras – embora Falcão, seu autor, não seja filósofo de ofício: ''o jogador morre duas vezes; a primeira é quando para de jogar''.

Ronaldo parou. Na média, antes da hora. Para sua história dramática, talvez até um pouco depois. Quatro anos e meio atrás, ouviu do então presidente Lula que estava gordo. Respondeu na hora, bate-pronto, na lata. Sua atitude neste momento, ao ouvir o mesmo comentário do mesmo torcedor, agora ex-presidente, demonstra bem seu novo estado de espírito. Ronaldo desistiu de responder. E optou pelo suicídio em vida, ao concluir que não havia mais muito o que fazer.

Talvez o aspecto mais fenomenal da trajetória de Ronaldo foi a rapidez com que ele passou por todas as fases que uma carreira de jogador pode ter. Chegou ao estrelato cedo demais, se despedaçou cedo demais, tornou-se em fênix cedo demais, despedaçou-se novamente, reergueu-se novamente para, finalmente, ceder à mão pesada da morte.

Acrescente-se, ao aforismo de Paulo Roberto Falcão, que os torcedores também morrem um pouco quando o jogador se retira. Ouvir as palavras espaçadas, lentas, da fala de Ronaldo antes de subir ao cadafalso da bola, lembrou-nos que o tempo está passando para nós, também. Para quem o viu surgir, parece que foi ontem. Aquele menino magricela e dentuço, com aparelho nos dentes, parece que acabou de estrear seu sorriso e seu boné na TV; que foi destaque no Gols do Fantástico ainda no domingo passado, quando fez cinco gols sobre o Bahia, inclusive aquele tento moleque sobre a lenda Rodolfo Rodríguez. Numa das matérias da época Ronaldinho mostrava, com orgulho, seu primeiro carro (embora ainda não pudesse dirigir). Impossível modelo mais sugestivo: era um Gol.

Cálculos de 1993, de ontem, portanto, mostravam que a primeira temporada de Ronaldinho no Cruzeiro foi superior à primeira de Pelé no Santos. A expectativa gerada pelo moleque era imensa. Com o rolar da bola, as coisas voltaram ao devido lugar, e se constatou que Ronaldinho não era, como ninguém é, Pelé. Mas o menino ganhou Copa, superou o Rei no total de gols em Mundiais, e superou-o com folga no quesito enredo dramático. Antes da morte definitiva, Ronaldo morreu vezes várias, a ponto de virar clichê dizer “não duvidem de que ele consegue se levantar de novo”.

Ronaldinho, de boné e aparelho no dente, acabou de aparecer. Ronaldo, homem feito e com filhos à volta, acabou de deixar a vida para entrar para a história. O mais angustiante nessa história toda é constatar que, a cada dia que passa, morremos um pouco, também. O tempo passa, torcida brasileira!

Tristeza não tem fim. Felicidade, sim.

Não tive o privilégio supremo de assistir Pelé e Tostão jogando. Menos ainda Pelé e Garrincha. O mais próximo que cheguei disso, creio, foi assistir em 1997 à dupla Romário-Ronaldo. Considerando que Pelé oficialmente não era centroavante, talvez a RoRo tenha sido a maior dupla de atacantes da história do maior futebol do mundo.

A partida mais divertida, mais lúdica, da Seleção Brasileira em tempos recentes, certamente foi o 6×0 sobre a Austrália, na final da Copa das Confederações de 1997. Romário fez três gols, Ronaldo outros três. A facilidade anormal com que os dois estufavam as redes do então já difícil adversário da Oceania mostrava que aquela dupla provavelmente protagonizaria um passeio no Mundial da França, dali a seis meses. O destino encarregou-se de impedir que isso acontecesse e, pior, encarregou-se de impedi-los de voltar a jogar juntos.

Já é um pouco melancólico ver Romário tornado em deputado, lendo discursos na Câmara. Acrescente-se o choro de um Ronaldo que anuncia sua morte e sua nova condição de “embaixador”. Tristeza não tem fim. Felicidade, sim.

  1. Danilo Felipe

    25/02/2011 02:23:48

    Texto maravilhoso. Só isso.

  2. Vitor Lou

    17/02/2011 11:51:21

    Essa do Paulo Roberto Falcão me fez lembrar uma conclusão de outro grande craque, que além de finado jogador, é também doutor e filósofo no nome:"Não é o jogador que abandona o futebol. É o futebol que abandona o jogador..."E, para fechar meu comentário apoteoticamente:Jogadores morrem todos os dias, só o futebol é eterno![Ok, peguei pesado nessa. Rsrs.]Abração, pessoal!

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