A nem tão verdadeira vida de Sebastian Knight
Torero
Há poucos mestres incontestáveis na literatura mundial, daqueles para os quais todos tirariam o chapéu no programa do Raul Gil, mas certamente um deles é Vladimir Nabokov, o autor de “A verdadeira vida de Sebastian Knight”, recentemente trazido à luz, e às estantes, pela Alfaguara.
Trata-se do nono romance escrito por Vladimir Nabokov. Seu lançamento aconteceu em 1941, pouco antes do ataque japonês a Pearl Harbour, e talvez por isso tenha passado um tanto despercebido pela crítica na época. Na verdade, Nabokov só iria estourar 14 anos depois, em 1955, com Lolita, que logo se tornou um clássico. Depois deste sucesso, o escritor norte-americano de origem russa finalmente pôde viver apenas de escrever, parando de dar aulas nas universidades dos EUA (1).
O livro é narrado por V., que conta a história de seu meio irmão, o escritor Sebastian Knight. Trata-se, de certo modo, de um livro de detetive, já que temos aqui um personagem em busca da história de outro, o que ele consegue perseguindo pistas, falando com pessoas e indo a lugares que tiveram relação com seu irmão (2).
Do mesmo jeito que Lolita é um longo depoimento a um júri e Fogo Pálido é a análise de um poema, aqui temos um livro que não é uma simples narração onisciente em terceira pessoa, mas sim uma peça literária em primeira pessoa e com alguma intenção, no caso, uma nova biografia de Sebastian Knight. (3)
Este é um recurso interessante de Nabokov, um recurso que poderia ser chamado de pós-moderno, pois ele trata o livro como um objeto que está nas mãos do leitor, ou seja, não se trata de uma história narrada por uma espécie de Deus, mas sim por uma primeira pessoa que está escrevendo algo, um algo que você está lendo. Assim há, aparentemente, uma quebra da fantasia. Mas só aparentemente, já que o narrador e o narrado são inventados. (4)
Uma curiosidade sobre “A verdadeira vida…” é que este é o primeiro livro escrito em inglês por Nabokov e foi editado nos EUA, mas não foi escrito lá ou na Inglaterra, e sim em Paris, cinco anos antes. Mais especificamente no banheiro de um quarto de hotel, com o autor fazendo o bidê de escrivaninha, para não atrapalhar o sono da mulher e do filho. Numa prova de que os editores não são perfeitos quando fazem a seleção dos livros a editar, Nabokov ficou três anos tentando publicar seu livro na Europa e nos EUA sem consegui-lo. (1)
Nabokov já era um autor maduro quando escreveu este livro, e já se podem ver suas descrições precisas e quase poéticas, com imagens ricas e que demonstram um pouco da psicologia da cena e do personagem, como, por exemplo, quando fala das delícias de um dia em São Petesburgo (5):
“(…) a pura luxúria de um céu sem nuvens destinado a não aquecer a carne, mas exclusivamente ao prazer dos olhos; o brilho das cores dos trenós na neve bem batida das ruas espaçosas com um toque fulvo entre as trilhas devido à rica mistura com estrume de cavalo (…)”.
Temos nesta descrição o clima feliz mas nem tanto da cidade, com seu sol que não esquenta e os coloridos trenós sobre a neve misturada com estrume de cavalo, uma combinação que serve de metáfora do livro, que tenta ver o podre que há sob a cândida e alva aparência das coisas. (6)
Voltando à história, vemos que, durante a investigação de V., ele lentamente vai se aproximando de Sebastian Knight. Começa a pensar como ele pensaria e até se apaixona por quem ele se apaixonou, ao amar a misteriosa Nina. (2)
A prosa é precisa, sem grandes fatos ou aventuras, mas com boas reviravoltas e profunda investigação psicológica. (7)
Como em várias das obras de Nabokov, os personagens principais sofrem um certo deslocamento geográfico. N0 caso, os irmãos são dois russos que saem pelo mundo. De certa maneira, eles repetem o que aconteceu com o próprio autor, que nasceu na Rússia, em meio a uma família aristocrata, em 1899. Vinte anos depois, Nabokov teve que abandonar a União Soviética. Terminou seus estudos na Inglaterra, no Trinity College, em Cambridge, licenciando-se em literatura russa e francesa. Em 1923 foi viver em Berlim, mas, por conta dos nazistas, em 37 decide ir para Paris e de lá vai para os Estados Unidos, onde se dedicou ao ensino de língua e literatura russa em várias universidades, como Stanford, Wellesley, Cornell e Harvard). Depois do estrondoso sucesso de Lolita, vai viver em Montreaux, na Suíça, onde morreu em 1977. (8)
Por fim, um dos traços mais interessantes deste romance é que depois de algumas páginas o leitor não sabe mais ao certo o que é verdade e o que é mentira na nova biografia de Sebastian. E a tênue linha que separa a verdade e a mentira é mesmo uma interessante questão, ainda mais no caso desta crítica, pois eu não li “A verdadeira história de Sebastian Knight”.
Isso mesmo, caro leitor e caríssima leitora, este texto foi um exercício de picaretagem. Apenas passei os olhos pelas sete primeiras e pelas cinco últimas páginas do livro, assim como fazem muitos resenhistas da grande imprensa. Depois, gastei 45 minutos pesquisando na internet sobre o livro e seu autor. Os truques para fazer resenhas sem ler os livros, você pode ler no texto abaixo.