Blog do Torero

Arquivo : November 2010

Reflexões quase sérias sobre a vida e a morte
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Torero

(No “Velharias” de hoje, um texto em que eu devia estar meio macambúzio)

Numa tarde em que não tinha nada que fazer, comecei a pensar na relação que o esporte tem com a nossa vida.

Como a maioria, achava que essa relação se restringia às aulas de educação física e àquele curioso encontro de barrigudos nos fins-de-semana, que os otimistas chamam de futebol.

Mas eu estava errado. Sim, eu estava. O esporte está presente em cada mísero momento de nossa existência.

Para começo de conversa, nascemos em decorrência de algo que lembra bastante um esporte. Claro que há controvérsias.

Os escritores de Sabrina, por exemplo, descreveriam tal cena assim: “E então eles deitaram-se sobre lençóis de seda, tendo ao fundo o brilho gentil da lua prateada, vivendo intensamente cada segundo daquele instante em que não eram mais Conrad e Jane, mas um novo e único ser, que talvez pudesse ser chamado de…amor!”

Bem, não quero que pensem que sou grotesco, mas, olhadas as coisas com frieza, a situação parece-se mais com uma luta greco-romana.

Porém se há alguma dúvida nesse ponto, já no seguinte o paralelo é perfeito.

Feito o hole-in-one digno do mais genial golfista, nossa vida começa com nada mais, nada menos que uma corrida: a corrida dos espermatozóides, nossa primeira e mais importante competição, a qual, se não vencêssemos, não participaríamos de nenhuma outra.

Mal nascemos e já participamos de concursos de beleza com nossas mães nos comparando com outras crianças, depois vêm as disputas de inteligência para ver quem aprende a falar primeiro e por fim a ginástica rítmica, onde ganha quem consegue ficar de pé.

Passado esse tempo, começamos a nos interessar por outras competições.

Vêm os papagaios, as bolinhas de gude, os piões e, para as crianças mais modernas, os videogames.

Creio que continuaríamos brincando com joysticks ao longo de toda a nossa vida se pudéssemos, mas um dia nossos pais nos vêm dizer que aquilo pode fazer mal a vista e nos obrigam a praticar os esportes tradicionais.

Aí somos introduzidos ao mundo do futebol, do basquete, do judô, do vôlei, da ginástica olímpica e da natação.

Esse período mais ativo costuma prolongar-se dos 10 aos 18 anos, período que corresponde também ao da descoberta sexual, esse, sim, um esporte radical, cheio de perigos e emoções fortes.

Então vem a fase do trabalho e somos levados a exercitar outras habilidades esportivas.

A escalada social é mais difícil que alpinismo, sobreviver com um salário mínimo é uma corrida de obstáculos e a competitividade do mercado faz com que qualquer ringue de vale-tudo pareça mais um berçário.

E se você já enjoou de tanto esporte, lembre-se que ainda há o casamento, onde temos que ter a paciência de um enxadrista, a dissimulação de um jogador de pôquer, e o molejo de um corredor de marcha.

Assim corre nossa vã existência até que, finalmente, chegamos ao momento de passar para o outro lado do mistério.

É o fim de uma terrível queda de braço com a morte, luta que, no fim, sempre perdemos.

O que nos faz pensar de que adianta ter ganho aquela primeira corrida.


Zé Cabala e o homem de papel
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Torero

Quando cheguei à casa do ilustre mestre, ele estava no quintal disputando um gol a gol com Gulliver, seu assistente anão.

“Goool”, gritou Zé Cabala. “Onze a três!”

“Por cobertura não vale”, reclamou Gulliver.

Então os dois perceberam a minha presença. Zé Cabala pôs seu turbante e veio falar comigo.

“O que vai ser hoje, caro foliculário?”

“Aproveitando a eleição, eu gostaria de falar com o espírito de algum jogador que tivesse tido um problema político.”

“Certo, certo…”, falou o supino sábio enquanto dava uns tapas em sua túnica branca para tirar um pouco da grama.
Em seguida Zé Cabala respirou fundo e, ali mesmo no quintal, começou a girar feito a Mulher-Maravilha (para lembrar como era isso, clique na foto abaixo).

Alguns segundos depois, ainda meio tonto e apoiando-se na cabeça de Gulliver, ele disse:

“Matthias Sindelar, ao seu dispor.”

“Sindelar, o austríaco que era chamado de o Mozart do futebol?”

“Esse mesmo. Já ouviu falar de mim?”

“Um pouco. Você era o craque do time-maravilha, não era?”

“Sim, eu era do Wünderteam. O time que deveria ter vencido a Copa de 1934. Ah, como eu odeio os fascistas e os nazistas… Eles acabaram com a minha vida!”

“Calma, não vamos colocar os zagueiros na frente dos volantes. Comecemos pelo começo. Onde você nasceu?”

“Foi em 1903, numa cidadezinha chamada Kozlau, que era na Áustria mas hoje, por conta da mudança dos mapas, fica na República Tcheca. Mas só fiquei dois anos lá. Depois minha família se mudou para Viena, para um bairro do subúrbio chamado Favoriten.”

“Aí sua vida melhorou?”

“Por algum tempo, mas então veio a I Guerra Mundial e meu pai morreu em combate. Eu tinha 14 anos. Tive que começar a trabalhar como ajudante de mecânico para sustentar minha mãe e minhas três irmãs. A única coisa que me divertia era jogar futebol na rua com uma bola de feita de trapos. E essa foi minha sorte, porque um dia o pessoal do Hertha de Viena viu uma partida e me chamou para jogar lá. Fiquei no Hertha até os 21 anos.”

“E depois?”

“Depois, em 1924, fui para o Áustria Viena, o time de camisas violetas. Era um clube ligado à classe média judaica. E logo vieram os títulos. Em 1925 faturamos a Copa Austríaca e, em 1926, quando  acabou o amadorismo de vez, ganhamos a copa austríaca e o campeonato nacional. Depois ainda ganharíamos mais três copas nacionais e duas Copas Mitropas.”

“Mitropas? Nunca ouvi falar disso.”

“A Copa Mitropa era uma Copa dos times da Europa Central. Depois ela acabou se transformando na Copa dos Campeões.”

“Ah…, essa eu conheço.”

“Pois bem, vencemos a Mitropa em 1933 e 1936. Joguei no Áustria até 1939, quando aconteceu aquela tra…, bem você deve saber.”

“Já chegamos lá. Por enquanto, eu queria saber como era o seu estilo.”

“Eu era alto e magro, e tinha um estilo leve, elegante. Não era à toa que me chamavam de Der Papierene, que quer dizer ‘feito de papel’.”

“Você não devia ter um corpo muito atlético.”

“Não mesmo. E, para piorar, eu adorava fumar, beber e jogar baralho. Sem falar que me divertia um bocado com prostitutas nos bordéis e detestava treinar.”

“Mesmo com isso tudo ainda foi um grande jogador?”

“Talvez por isso tudo. Só joga bem quem está feliz.”

“E o tal do Wünderteam?”

“Olha, de 1930 a 1933, a seleção austríaca disputou 16 partidas. Ganhamos 13, empatamos duas e perdemos só uma, para a Inglaterra, lá. Foi um belo 4 a 3. Mas, em Viena, conseguimos a vingança: 2 a 1. E entre as vitórias tivemos goleadas de 4 x 0 na Franca, 5 x 0 na Alemanha, 6 x 1 na Bélgica 8 x 2 na Hungria e 8 x 1 na Suíça.”

“Então vocês eram os favoritos para vencer a Copa de 1934.”

“Sim. E começamos bem. Vencemos a França nas oitavas por 3 a 2, com um gol meu, e a Hungria na quartas por 2 a 1. Então, na semifinal, pegamos a Itália, que nós tínhamos vencido há pouco tempo, na própria Itália, por 2 a 1. Mas dessa vez foi diferente…”

“Ah, já sei… Esta paerte da história é famosa. A Copa de 1934 foi na Itália e o ditador Benito Mussolini fez de tudo para conseguir a Copa.”

“Pois é… Dizem que o juiz da nossa partida, o sueco Ivan Eklind, jantou com o Mussolini uns dias antes. E o cardápio deve ter sido ótimo, porque durante o jogo o Eklind fez de tudo. Pode perguntar para qualquer uma das sessenta mil almas que estavam no San Siro naquele dia. O Eklind não via uma falta a nosso favor, não marcou um pênalti claríssimo em cima de mim e, no fim do jogo, ele, sem querer, é claro, bateu a cabeça numa bola que vinha na minha direção na grande área.

“Puxa, que escândalo!”

“Agora me pergunte se ele foi punido?”

“Ele foi punido?”

“Não! Pelo contrário! Ganhou o privilégio de apitar a final! E aí a Itália ganhou na prorrogação.”

“Um absurdo!”

“Eu apanhei tanto naquele jogo que nem consegui participar da disputa do terceiro lugar. E aí perdemos para a Alemanha por 3 a 2. Aliás, esse jogo foi desastroso.Áustria e Alemanha tinham uniformes iguais, então nós tivemos que jogar com umas camisas do Nápoli emprestadas.”

“E a Copa seguinte?”

“Bem, passamos tranqüilos pela fase eliminatória. Mas, no dia 13 de março de 1938, a Áustria foi anexada pela Alemanha. Ou seja, sumimos do mapa. Dali em diante os jogadores austríacos teriam que jogar pela seleção da Alemanha. Veja que ironia, fomos roubados pelos fascistas e agora teríamos que servir aos nazistas.”

“E como foi sua carreira na seleção alemã?”

“Não foi. Eu me recusei a jogar. Sempre dizia que estava machucado. Aí a Gestapo começou a me investigar. E descobriu que eu era amigo de judeus e simpatizante dos comunistas.”

“Xi…”

“E isso não era a pior coisa na minha ficha. O pior aconteceu na partida para festejar a anexação. Havia no ar a sensação de que nós não poderíamos vencer. Poderia ser perigoso para a saúde, entende?”

“Sei, sei…”

“Bem, por minha sugestão, nós jogamos de camisas e meias vermelhas e calções brancos, as cores da bandeira da Áustria. E nós dominávamos a partida com facilidade. Mas, “estranhamente”, perdíamos todas as chances. Eu mesmo já tinha desperdiçado três oportunidades na cara do gol. Era uma humilhação, sabe? Mas fazer o quê? Desafiar os alemães?”

“Que situação difícil…”

“Ficamos assim, naquela lenga-lenga, até o meio do segundo tempo. Aí o público começou a vaiar. Ah, como aquela vaia doeu… E ela doeu porque estava certa. Nós não podíamos abaixar a cabeça! Tínhamos que desafiar os alemães. Então nós começamos a correr feito doidos e o jogo virou uma guerra. Logo depois, a bola sobrou para mim na meia lua. Eu dei um toque sutil, encobrindo o goleiro que estava adiantado. O público delirou! Ainda mais quando eu fui até a tribuna de honra onde estavam as autoridades nazistas, e dancei uns passos de Rheinland Pfalz, uma dança popular austríaca. Foi uma gargalhada geral em cima das autoridades alemãs. Depois disso, nós enchemos ainda mais de brio e fizemos dois a zero.”

“E os alemães deixaram isso ficar assim?”

“Uns meses depois, eu e minha namorada, uma judia italiana, fomos encontrados mortos no quarto dela.”

“Foi a Gestapo?”

Ele não me respondeu. Apenas ajeitou o turbante e disse:

“Mais de 40 mil pessoas foram ao meu enterro. Fui enterrado no mesmo cemitério onde estão Brahms, Schubert e Johann Strauss. Minha tumba fica perto da do Beethoven. Um lugar apropriado para o Mozart do futebol, rá, rá! A vida tem suas ironias. E a morte também.”


Resultado da toreroteca
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Torero

Antes de mais nada, vamos ao resultado das eleições no blog. Aqui, Dilma teve 52,7%, Serra ficou com 36,5% e o nulo se saiu muito bem, com 10,8% (se bem que há quem diga que os três candidatos eram nulos).

Mas o que realmente interessa não é a presidência do Brasil,  e sim quem ganhou a toreroteca. 

A votação de Dilma foi de 55.752.092. E tivemos quase 300 palpites.

Logo nos primeiros minutos da toreroteca, às 8h21 de sexta-feira, Dorfo mandou um chute que passou raspando: 55.669.124 votos. Pensei que já tinha um vencedor.

Mas eis que Raul Antonio Ferraz, às 9h24, mandou a bola na trave: 55.712.631.  Menos de quarenta mil votos de diferença para o número final.

Raul liderou por muito tempo, até que, Marcelo Gomes de Moraes, no apagar das luzes, ou do sol, de sexta-feira, chutou no ângulo: 55.732.449. Menos de 20 mil votos de diferença. Para ser exato, 19.643 votos, o que significa um erro de 0,014%, mais preciso do que qualquer instituto de pesquisa.

Marcelo fica com o livro (mande aí seu endereço, Marcelo) e com o cargo de Diretor para previsões políticas e metereológicas do Datarero.