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Categoria : Futebol

A nem tão verdadeira vida de Sebastian Knight
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Torero

Há poucos mestres incontestáveis na literatura mundial, daqueles para os quais todos tirariam o chapéu no programa do Raul Gil, mas certamente um deles é Vladimir Nabokov, o autor de “A verdadeira vida de Sebastian Knight”, recentemente trazido à luz, e às estantes, pela Alfaguara.

Trata-se do nono romance escrito por Vladimir Nabokov. Seu lançamento aconteceu em 1941, pouco antes do ataque japonês a Pearl Harbour, e talvez por isso tenha passado um tanto despercebido pela crítica na época. Na verdade, Nabokov só iria estourar 14 anos depois, em 1955, com Lolita, que logo se tornou um clássico. Depois deste sucesso, o escritor norte-americano de origem russa finalmente pôde viver apenas de escrever, parando de dar aulas nas universidades dos EUA (1). 

O livro é narrado por V., que conta a história de seu meio irmão, o escritor Sebastian Knight. Trata-se, de certo modo, de um livro de detetive, já que temos aqui um personagem em busca da história de outro, o que ele consegue perseguindo pistas, falando com pessoas e indo a lugares que tiveram relação com seu irmão (2).

Do mesmo jeito que Lolita é um longo depoimento a um júri e Fogo Pálido é a análise de um poema, aqui temos um livro que não é uma simples narração onisciente em terceira pessoa, mas sim uma peça literária em primeira pessoa e com alguma intenção, no caso, uma nova biografia de Sebastian Knight. (3)

Este é um recurso interessante de Nabokov, um recurso que poderia ser chamado de pós-moderno, pois ele trata o livro como um objeto que está nas mãos do leitor, ou seja, não se trata de uma história narrada por uma espécie de Deus, mas sim por uma primeira pessoa que está escrevendo algo, um algo que você está lendo. Assim há, aparentemente, uma quebra da fantasia. Mas só aparentemente, já que o narrador e o narrado são inventados. (4)

Uma curiosidade sobre “A verdadeira vida…” é que este é o primeiro livro escrito em inglês por Nabokov e foi editado nos EUA, mas não foi escrito lá ou na Inglaterra, e sim em Paris, cinco anos antes. Mais especificamente no banheiro de um quarto de hotel, com o autor fazendo o bidê de escrivaninha, para não atrapalhar o sono da mulher e do filho. Numa prova de que os editores não são perfeitos quando fazem a seleção dos livros a editar, Nabokov ficou três anos tentando publicar seu livro na Europa e nos EUA sem consegui-lo. (1)

Nabokov já era um autor maduro quando escreveu este livro, e já se podem ver suas descrições precisas e quase poéticas, com imagens ricas e que demonstram um pouco da psicologia da cena e do personagem, como, por exemplo, quando fala das delícias de um dia em São Petesburgo (5):

“(…) a pura luxúria de um céu sem nuvens destinado a não aquecer a carne, mas exclusivamente ao prazer dos olhos; o brilho das cores dos trenós na neve bem batida das ruas espaçosas com um toque fulvo entre as trilhas devido à rica mistura com estrume de cavalo (…)”.

Temos nesta descrição o clima feliz mas nem tanto da cidade, com seu sol que não esquenta e os coloridos trenós sobre a neve misturada com estrume de cavalo, uma combinação que serve de metáfora do livro, que tenta ver o podre que há sob a cândida e alva aparência das coisas. (6)

Voltando à história, vemos que, durante a investigação de V., ele lentamente vai se aproximando de Sebastian Knight. Começa a pensar como ele pensaria e até se apaixona por quem ele se apaixonou, ao amar a misteriosa Nina. (2)

A prosa é precisa, sem grandes fatos ou aventuras, mas com boas reviravoltas e profunda investigação psicológica. (7)

Como em várias das obras de Nabokov, os personagens principais sofrem um certo deslocamento geográfico. N0 caso, os irmãos são dois russos que saem pelo mundo. De certa maneira, eles repetem o que aconteceu com o próprio autor, que nasceu na Rússia, em meio a uma família aristocrata, em 1899. Vinte anos depois, Nabokov teve que abandonar a União Soviética. Terminou seus estudos na Inglaterra, no Trinity College, em Cambridge, licenciando-se em literatura russa e francesa. Em 1923 foi viver em Berlim, mas, por conta dos nazistas, em 37 decide ir para Paris e de lá vai para os Estados Unidos, onde se dedicou ao ensino de língua e literatura russa em várias universidades, como Stanford, Wellesley, Cornell e Harvard). Depois do estrondoso sucesso de Lolita, vai viver em Montreaux, na Suíça, onde morreu em 1977. (8)

Por fim, um dos traços mais interessantes deste romance é que depois de algumas páginas o leitor não sabe mais ao certo o que é verdade e o que é mentira na nova biografia de Sebastian. E a tênue linha que separa a verdade e a mentira é mesmo uma interessante questão, ainda mais no caso desta crítica, pois eu não li “A verdadeira história de Sebastian Knight”.

Isso mesmo, caro leitor e caríssima leitora, este texto foi um exercício de picaretagem. Apenas passei os olhos pelas sete primeiras e pelas cinco últimas páginas do livro, assim como fazem muitos resenhistas da grande imprensa. Depois, gastei 45 minutos pesquisando na internet sobre o livro e seu autor. Os truques para fazer resenhas sem ler os livros, você pode ler no texto abaixo.


Sete conselhos para escrever uma resenha sem ler o livro
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Torero

(obs.: é melhor ler o texto acima antes de ler este)

Muitas críticas que você lê hoje na grande imprensa foram feitas por pessoas que não leram a obra em questão por inteiro. Creio que isso acontece por três motivos: pouco tempo, pouco espaço, pouco pagamento. Tomando por base os textos que saíram sobre meus livros, acredito que apenas metade das resenhas são escritas por críticos que realmente leram a obra resenhada.

Portanto, os resenhistas têm que lançar mão de vários truques para compor seu texto. Reparei na repetição de alguns e resolvi fazer um breve manual de “Como escrever uma resenha sem ler o livro resenhado”.

Vamos aos sete passos necessários para esta não tão árdua tarefa:

1-) Se você não leu o livro, uma boa saída é contar várias curiosidades sobre ele e seu autor. Você pode encontrá-las no release enviado pela editora, na orelha e na contracapa do livro, e, é claro, na internet. Colocando várias destas curiosidades, o leitor vai pensar que você é um expert em literatura, um livre docente que defendeu tese sobre o autor em questão.

2-) É muito importante você fazer um resumo do livro. Dá a impressão de que você leu todas as suas páginas e conseguiu condensar tudo num só parágrafo. Geralmente o release já traz uma boa sinopse. Caso a editora do livro não tenha uma boa assessoria de imprensa que mande um resumo publicável, é só pedir ajuda de São Google. Porém, se você tiver o azar de ter que fazer a primeira resenha do livro, peça ao próprio autor que lhe conte a história. Lembro que certa vez fiquei mais de uma hora no telefone contando a história de um livro a um jovem repórter do finado Jornal do Brasil. Como sou ruim para contar histórias oralmente, no dia seguinte saiu uma péssima resenha sobre o livro. Mea culpa, mea maxima culpa.

3-) Faça comparações com outros livros do autor que você realmente leu. Isso dará mais substância ao seu texto. Eu, por exemplo, realmente li Fogo Pálido e Lolita. Caso não tenha lido outro livro do autor, faça comparações com livros de outros escritores. Uma crítica, certa vez, comparou o meu “Os vermes” com “Memórias Póstumas de Brás Cubas” só porque o livro de Machado é dedicado a um verme. Obviamente, um não tinha nada a ver com o outro, nem quanto a estilo nem quanto à história, a não ser o uso da palavra verme.

4-) Coloque algo que pareça uma teoria literária profunda. Não precisa ser, basta parecer.

5-) Roubei esta ideia de uma resenha anterior sobre o livro. Não tenha pudor de fazer isso. Só não esqueça de mudar algumas palavras para que o aturo do texto não perceba o furto. Por conta deste item, a primeira resenha de um livro é quase sempre a mais importante, pois muitos dos resenhistas futuros vão lê-la e repetir suas opiniões. Principalmente se não leram o livro. Isso constrói uma certa unanimidade em relação ao livro, o que é péssimo.

6-) Cite um trecho do livro. É claro que muitas vezes você só vai ter lido justamente aquele trecho, mas o leitor de sua resenha não sabe disso e pensará que você realmente escolheu uma parte especial do livro. Curiosamente, o resenhista que não lê todo o objeto resenhado quase sempre cita e comenta algo das primeiras páginas, as únicas que ele leu. Mas há que se tomar cuidado com isso. Numa crítica recentemente publicada na Folha de S.Paulo, por exemplo, o resenhista falou algo sobre a paternidade de um personagem de certo livro, informação dada no primeiro capítulo do livro. Se ele tivesse lido o segundo capítulo, saberia que o pai do personagem era outro. Ou seja, o melhor é fazer alguma afirmação neutra e colocar o trecho, sem se arriscar demais.

7-) Quanto tiver que opinar, apenas repita o senso comum que há sobre este autor. Por exemplo, se a resenha é sobre o Luis Fernando Verissimo, diga que ele é engraçado; se é sobre Rubem Fonseca, fale que seu estilo é seco; se é sobre Dalton Trevisan, declare que ele é o rei da concisão.

😎 Outro truque básico é contar a biografia do autor. É claro que na maioria das vezes ela não interessa nem um pouco à história, nem fará você gostar mais do livro ou entendê-lo melhor. Mas ajuda a encher o espaço. Além disso, também é uma forma do jornalista contar uma narrativa, pois, já que não conhece bem a história contada pelo livro, pelo menos conta a vida de seu autor.

Enfim, deixo aqui aos futuros resenhistas a minha humilde contribuição. Que talvez também tenha alguma utilidade para os leitores.


Parabéns!
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Torero

No dia do seu aniversário, o Santos ganhou, e bem, do Cerro Porteño. Para comemorar, posto aqui um texto antigo, na verdade um email que recebi no aniversário do clube em 2002, alguns meses antes do Santos ganhar o Brasileiro daquele ano.

Um aniversário infernal

 
Recebi por esses dias um misterioso e-mail escrito em letras vermelhas. O remetente pedia que eu colocasse seu texto nesta coluna. Num primeiro momento decidi não atendê-lo, mas, quando li seu endereço virtual, julguei ser mais prudente ceder meu espaço. Eis o texto:

“Caro colunista, gostaria muito que o senhor publicasse esta carta. E nem pense em negar-me este pedido. Pelo que você tem feito aí em cima, sei que vamos nos encontrar mais cedo ou mais tarde aqui em meus domínios, e você não gostaria de me ver de mau humor. Quando estou bravo, solto fogo pelo nariz. E isso não é uma metáfora.

O melhor seria que minha carta saísse no domingo, dia 14, mas como sei que sua coluna só sai às terças e sextas, fiquemos com a sexta, mais próxima do aniversário do meu time, o Santos.
Imagino que, ao ler a linha acima, você deve ter dito: “Mas como pode o demônio gostar de um time chamado Santos?”.

E eu respondo ao previsível amigo: “Ora, não é porque sou um anjo caído que deixo de ser um anjo e, na condição de anjo, não poderia torcer para outro time”.

É bem verdade que aí em cima me associam ao América carioca. Realmente admito que tenho simpatia por esse time, mas, torcer por ele, convenhamos, já é comer o pão que eu amassei.
Aliás, é muito lógico que eu torça para o Santos. Não houve time que mais tenha infernizado as defesas rivais. Você não imagina como eu ficava envaidecido ao ouvir os adversários dizerem: “Esse Santos é um time do capeta!”.

Poucos sabem, mas eu, o Anhangá, o Beiçudo, o Cão Tinhoso, o Jurupari, o Maligno, o Rabão, o Sapucaio, o Tisnado, estive atrás de muitos daqueles gols endiabrados, de muitas daquelas jogadas demoníacas, de muitas vitórias diabólicas dos anos 60.

E aproveito a ocasião para contar-lhe um segredo sobre aquela época de glórias. Certa vez, em 1954, eu estava sossegado tomando uma sauna seca quando fui chamado por um dirigente santista -não adianta, não revelarei nomes. Esse sujeito não aguentava mais ser roubado pelas arbitragens e perder dos times da capital em condições suspeitas e me propôs trocar sua alma por uns campeonatos. Eu cocei meu cavanhaque com o rabo e disse: “Acho que posso fazer alguma coisa”.

E fiz! Ou você acha que foi coincidência o Pelé jogar justo no Santos. Isso sem falar no resto da legião: Coutinho, Pagão, Pepe, Dorval, Zito, Toninho Guerreiro, Lima, Gilmar…

Aquele esquadrão que brilhou por exatos 20 anos e fez o mundo se curvar ante o seu poder. Porém, como, por princípio ético e convicção moral, nunca faço nada de graça, que o diga o doutor Fausto. O Santos está tendo que passar por um período de relativa amargura. Sou um admirador do time, mas também sou um profissional e não posso deixar de cobrar meus devedores. Isso pode parecer triste para alguns de vocês, mas explica muita coisa, não é?

Mas não quero terminar essa carta sem uma boa notícia de aniversário. Sendo assim, aviso-lhe faltam poucas prestações para que o Santos resgate sua dívida e volte ser um vencedor. Aí, com mil eus!, voltarei a ser mais um torcedor aqui das profundezas, um torcedor que, como você e como tantos outros, quer apenas ver o Santos sendo campeão.

É tudo. Aceite, por favor, um caloroso abraço deste seu futuro anfitrião, Lúcifer”.


Somos um só
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Torero

Nesta sexta-feira estreia um programa do qual sou um dos roteiristas. Apesar disso, vale a pena. O nome da série é Somos 1 Só, e trata-se de uma mistura de documentário com ficção. São oito programas de uma hora, sempre às 20h00.

Os horários são estes aqui:

A Cultura e a Casca de Banana  Dia 15/04 

O Poder e o Bang-Bang  Dia 22/04

A Educação e o Mosca Morta  Dia 29/04 

O Trabalho e o Português Gostoso Dia 06/05 

A Espiritualidade e a Sinuca  Dia 13/05 

A Produção e o Cocô da Minhoca 20/05 

A Cidade e a Pizza Dia 27/05 

O Consumismo e a Corda do Relógio Dia 03/06

O site da série é este: http://somosumso.com.br/


Livro novo, escritor velho.
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Torero

Saiu um livro novo deste que vos escreve. É este aqui:

Pelas minhas contas, é o vigésimo-primeiro.

Em literatura, ou você é um jovem promissor ou é um veterano. Não tem meio termo.  C0m este livro, creio que finalmente saio da categoria jovem promessa (com certo atraso, já que estou às portas dos cinquenta) e entro para a turma dos veteranos.  Afinal, só um veterano merece uma coletânea com foto na capa, introdução de um acadêmico importante (no caso, a Marisa Lajolo) e nome maior que o do livro.

Isso é bom e ruim.

Bom porque é um reconhecimento da obra etc, etc, etc…

Ruim porque é sinal de que estou ficando velho.


A pouco inspiradora história de Caycos e Lucayo
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Torero

Um importante documento recentemente encontrado no Archivo Real del Descubrimiento trouxe uma nova luz sobre a história do futebol, a colonização da América e o papel do nosso continente no mundo.

Trata-se da carta de um integrante da tripulação de Cristóvão Colombo, mais especificamente o cozinheiro Hernán Hernandes.

Deixo-vos cá com esta joia recém descoberta:

Ilhéu de Guanahani, 19 de outubro do ano 1492 de Nosso Senhor Jesus Cristo

Carmencita querida,

finalmente chegamos a algum lugar. Já não agüentava mais o balanço do navio. Vomitei feito uma mulher pejada por toda a viagem. Quando deixamos Palos de la Frontera, no dia 3 de agosto, não pensei que ficaria mais de dois meses sem pisar em terra.

Pensamos até em fazer um motim contra Colombo. Mas, quando estávamos às vésperas da revolução, chegamos às Índias (se bem que há marinheiros que dizem que este é um novo continente).

A beleza dessa ilha, com seus montes e suas serras, suas águas e seus vales regados por rios caudalosos, é um espetáculo tal que em nenhuma outra terra sob o sol pode haver mais magnífica.

Mas o mais curioso destas paragens não é sua natureza, e sim seus naturais.

Vou contar-lhe como os encontramos:

Quando demos à praia não vimos ninguém, mas, olhando ao longe, percebemos uma poeira que levantava e, pé ante pé, nos dirigimos até lá.

Qual não foi nosso espanto quando chegamos a um enorme terreno muito limpo, onde havia uma grama cerradinha e mais de vinte selvagens correndo nus pelo campo. Curiosamente, metade dos silvestres tinha o corpo totalmente pintado de branco e os outros, de vermelho.

Estavam jogando futebol.  E bem. Conseguiam passar a bola de um pé a outro de tantas e várias formas que eu só podia crer no que via porque meus olhos não mentem como minha boca.

Aos poucos fomos nos enturmando com os torcedores e descobrimos que estávamos vendo o clássico da ilha, algo como o nosso Real Madrid x Barcelona.

Depois da partida, que terminou em 3 a 3,  Colombo chamou os capitães das equipes e disse que tomava possessão da dita Ilha pelo Rei e pela Rainha, seus senhores. Os selvagens em nada se opuseram, talvez por reconhecerem nossa superioridade, talvez por não entenderem patavinas de nossa língua.

Demos-lhes alguns gorros vermelhos e contas de vidro que colocaram no pescoço, e outras coisas muitas de pouco valor, com o que tiveram grande prazer e ficaram tão nossos que era maravilha. Depois nadaram até às barcas, e nos trouxeram fios de algodão em novelos e outras coisas muitas.

Meus companheiros de navio levarão alguns papagaios para vender na Espanha. Já eu levarei Caycos e Lucayo. O primeiro é um ágil ponta-de-lança e o segundo, um respeitável centroavante trombador. Deixarei de ser cozinheiro e me tornarei empresário de futebol, Carmencita querida, com o que penso que finalmente poderei pedir sua mão em casamento.

Receba esta carta como um beijo nas palmas de sua mão, dado por aquele que a ama com desespero e esperança, Hernán Hernandes.

Pois bem, a história não registra se Hernán realmente se casou com Carmencita, mas sabemos que o Atlético de Madri foi tetracampeão de 1493 a 96 graças à dupla Caycos e Lucayo, que depois foi jogar no Liverpool.

O interessante é ver que continuamos com esta tradição, com esta vocação, com este triste destino de exportar matéria-prima.

Se há algo que une o futebol sulamericano, é o fato de que nossos melhores jogadores vão embora para a Europa e para a Ásia mal lhe crescem pelos na cara. Alguns até antes, como é o caso de Messi, que foi para a Espanha aos 11 anos.

No Brasil, este número é assustador. Jogador de futebol já é um dos principais produtos de exportação do país, ultrapassando produtos como banana, maçã e uva. Desde 1993, as exportações já somam dois bilhões de dólares.

Em 2008, 1.776 futebolistas saíram do Brasil. Isso daria para formar 80 equipes, com 22 atletas cada. Ou seja, a primeira divisão do Campeonato Brasileiro é, na verdade, a quinta.

Essa perda dos nossos jogadores é também uma perda de alegria. Vemos jogos piores, menos gols, menos dribles. E, nos fins das contas, perdemos até dinheiro, pois vendemos os jogadores mas pagamos para ver os jogos dos campeonatos da Europa. Como diz Sócrates (o jogador, não o filósofo), é como se vendêssemos Michelângelo em vez de vender suas obras.

É claro que a culpa não é dos jogadores, que têm todo o direito de ir atrás de melhores salários. A culpa é dos nossos dirigentes, dos clubes e da CBF, que não souberam se modernizar, que não souberam, ou não quiseram, industrializar nossa matéria-prima.

Caycos e Lucayo foram os primeiros de milhares. Éramos uma colônia. E, no futebol, ainda não deixamos de ser.


Ronaldo Nazário, um roteiro perfeito
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Torero

(Publico hoje o último dos textos sobre Ronaldo, escrito loogo após a conquista da Copa de 2002).

A vida de Ronaldo Nazário daria um filme.

E isso não é uma figura de linguagem. A história desse personagem segue realmente todas as regras para uma boa história.

Dizem os manuais de roteiro que para fazer sucesso uma narrativa deve ter obrigatoriamente seis pontos: apresentação do personagem, crise, recuperação, preparação para o grande confronto, clímax e final feliz.

Pois bem, na Copa de 94 temos o primeiro passo, a apresentação do personagem. O menino dentuço é o reserva de um grupo que conquista o título para seu país após 24 anos de frustrações.

Ele cresce e, na Copa de 98, já é o melhor do mundo. Tem tudo para vencê-la. Seria a maior glória de sua carreira. Mas aí vem o passo de número dois: a crise. Vemos sua convulsão, e a derrota por 3 a 0. É aquele momento em que o herói vê o seu sonho cair por terra.

Ele sofre vários reveses. “Está acabado”, dizem todos ao ver o osso do joelho como que saltando para fora da pele. Mas Ronaldo continua lutando.

Então vem a recuperação, o passo três, conseguida após um árduo trabalho.
Passa o tempo, e ele ganha uma segunda chance. Está novamente numa Copa do Mundo. É a preparação para o grande confronto.

Um a um os adversários vão caindo, até que chega a hora de enfrentar o inimigo final. Que, como deveria ser, é o mais poderoso possível: a Alemanha. Para deixar as coisas ainda melhores, o inimigo é personificado em Kahn, que tem nome e costeleta de vilão.

Começa o duelo. O mocinho tenta uma, duas, três vezes, mas nada. O clima já é de apreensão quando, para a ira de Kahn, ele consegue vazar a meta contrária. Minutos depois, nosso herói sela a vitória e faz seu país explodir de alegria. Eis o último passo, o final feliz.

E o roteiro tem ainda personagens secundários perfeitos: Felipão, o mentor, aquele personagem mais velho que ajuda o herói a levantar-se (como o Grilo Falante de Pinóquio), Milene, a loira e bela mocinha (como a princesa Leia), e Rivaldo, seu inseparável companheiro (uma espécie de Robin).

Até mesmo detalhes de roteiro, como o traço distintivo (alguma cicatriz do herói, tal qual o raio na testa de Harry Potter), há em Ronaldo. No caso, seu cabelo esquisito. Sua marca para as duas lutas finais.

Eis aí uma vida que dá um filme. 


Gol feio ou bonito?
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Torero

(Publico hoje o penúltimo texto sobre Ronaldo, feito depois daquele inesquecível gol contra o Santos na primeira partida da final do Paulista de 2009)

O que dói mais, seu time levar um gol feio ou um gol bonito? É uma pergunta difícil de responder, uma questão que exige raciocínio e ponderação. Até já imagino a leitora com a mão no queixo, parecendo um escritor em contracapa, e o leitor olhando para o teto, tal qual estivesse com torcicolo.

Sei que é sempre terrível quando nosso time toma um gol. Mas cada gol dói de um jeito diferente. O tento sofrido no começo do jogo não nos faz sofrer do mesmo jeito que o gol tomado no último segundo. E assim também acontece com os feios e os bonitos. Ambos doem, mas doem de modos distintos.

O gol feio, porque é como se forças misteriosas estivessem contra seu clube. Parece um castigo do destino, um erro da natureza. Só isso explica a falha bisonha do goleiro, o chute que desvia num zagueiro e entra no cantinho, a canelada de sorte do centroavante. Parece que os deuses do futebol querem rir às suas custas. O triste do gol feio é que ele não é o fruto da inteligência ou da habilidade do adversário. Não se trata de um gol justo. Ele nasce do puro acaso.

Obviamente é um triunfo, mas um triunfo que tem o erro como pai e a imperfeição como mãe. E por isso, por não ser merecido por nosso inimigo, é que ele é terrivelmente doloroso. Já a bola entrando no ângulo, o chute preciso depois de um drible mortal e o cruzamento milimétrico seguido do peixinho certeiro doem por outros motivos. O gol bonito é uma vitória categórica do inimigo.

É a certeza de que seu time é inferior, de que o adversário tem o domínio de uma arte elaborada. O gol belo nos causa uma sensação de inferioridade (“por que os bons atacantes estão sempre nos outros clubes?”) e de inveja (“por que este desgraçado não está no meu time?”). Pois bem, depois dessa breve exposição, volto a lhes perguntar: Qual o gol que dói mais, o feio ou o belo? O que é pior, a nossa imperfeição ou a perfeição do outro?

Esta pergunta estava havia tempos anotada em meu caderninho de “Grandes pequenas questões do futebol”, e até este fim de semana eu não tinha a resposta. Mas no domingo eu estava na Vila Belmiro. E vi o terceiro gol de Ronaldo.

Vi o toque preciso e suave, vi a bola descrevendo uma bela e larga parábola, vi o goleiro no meio do caminho, sabendo-se inútil, e vi as redes balançando suavemente. Foi um golaço. E o curioso é que a torcida não xingou o goleiro, não pôs a culpa no técnico santista, não arrancou os cabelos ou socou a cadeira. Nada disso. Onde eu estava, uns olharam para os outros, como se dissessem: “Você viu o que eu vi?”, “Vou lembrar desse gol para sempre” e “O desgraçado é bom mesmo”.

É claro que havia tristeza, pois o 3 a 1 praticamente enterrou as chances do Santos. Mas também havia uma certa alegria no ar. Uma alegria por ter presenciado um grande lance, um momento raro, um lindo gol. Daí que já tenho a resposta para a questão inicial. E a resposta é que sofrer um gol feio dói mais, porque, quando tomamos um gol bonito, temos pelo menos o consolo de ver uma obra de arte.

E, no fim das contas, é para isso que vamos ao estádio.