Zé Cabala e o filé mignon uruguaio
Torero
Desta vez, quando liguei para marcar hota com Zé Cabala, ele disse que não me atenderia em sua casa, mas numa churrascaria uruguaia em Higienópolis (por sinal, bem cara). Achei estranho, mas aceitei.
Quando cheguei ao restaurante, foi fácil de encontrá-lo pelo turbante.
“Bom dia, mestre”, eu disse.
“Grumpsh”, ele respondeu com aboca cheia de torradinhas.
“Posso perguntar por que o senhor escolheu este lugar?”
“Não fui eu, mas um espírito que quer contar-lhe sua história.”
“Claro! Podemos começar?”
“Ainda não. Para que se dê a incorporação, preciso de um estímulo.”
“Quer que eu cante um mantra.”
“Não. Acho melhor uma alcatra. E umas batatas para acompanhar.”
Quarenta minutos depois, quando o supremo sábio limpava a boca com o guardanapo, ele deu um pequeno arroto e disse: “Pronto, estoy aqui.”
“Quem sois vós, ó, espírito.”
“Muitos dizem que soy o maior jugador de la historia del Uruguai, o filé mignon do nosso fútbol. Pero yo digo que soy solamente el mejor del tiempo de amadorismo.”
“E o seu nome é…”
“José Piendibene.”
“Piendibene, Piendibene…, esse nome não me é estranho…”
“Ah, la ignorância… Yo soy uma espécie de Friedenreich uruguaio. Só que com mais títulos.”
“O senhor me desculpe.”
“Será difícil. Estou ofendido. Acho que vou embora.”
“Por favor, fique. O senhor não quer provar uma panqueca de doce de leite? É uma delícia.”
“Está bem, está bem…”
Vinte minutos depois, quando ele limpava a boca no guardanapo, disse de modo tranquilo:
“Bem, vou tentar diminuir sua ignorância contando um pouco da minha história. Nasci em 1890. Joguei por alguns times pequenos e aos 17 estreei no Peñarol, que naquela época ainda se chama CURCC.
“Curcc?”
“Isso, mas em maiúsculas. É a sigla de Central Uruguayan Railway Cricket Club. E encerrei minha carreira por lá, vinte anos depois. Sou o jogador que mais fez partidas pelo Peñarol. Foram 506 jogos, 253 gols e 6 campeonatos nacionais.”
“253 gols. Nada mal.”
“E eu jamais os comemorava. Achava um desrespeito com o adversário.”
“E como foi sua carreira na Celeste?”
“Bem, sou o segundo maior artilheiro da seleção uruguaia. E quem mais fez gols contra a Argentina, o que é uma grande honra.”
“E contra o Brasil?”
“Fiz minha melhor partida. Ganhamos de vocês por 6 a 0 na Copa América de 1920. Aliás, fui eleito o melhor jogador da competição e foi a terceira que ganhei.”
“Terceira?”
“Sim. Também ganhamos a de 1917 e a primeira, em 1916. E quem fez o primeiro gol da história da Copa América?”
“O senhor?”
“Cierto! Você não é tão tolo quanto parece.”
“E qual era sua posição?”
Ele parou de assoprar o cafezinho que tinha acabado de chegar e respondeu:
“Centrodelantero. Mas tinha muita técnica e voltava para armar o jogo.”
“O senhor devia ser muito bom mesmo.”
“Bem, sem querer me gabar, sete anos depois que me aposentei, um famoso jornalista uruguaio me chamou de ‘Señor de la Cortada, Rey del Pase, Monarca del Cabezazo, Emperador de la Gambeta, Sultán del Dribbling, Soberano del Taquito.’”
“Puxa! E qual destes era seu apelido?”
“Apellido? Mi apellido era Piendibene.”
“Apelido em português quer dizer apodo. Algo como Pelé, Zico, Didi, Vavá, Divino, Reizinho do Parque…”
“Usted no sabe no como me llamaban?”, disse ele levantando-se indignado. “Pues me llamaban de Maestro!”
E, depois de dizer isso, atirou-me o guardanapo na cara foi embora batendo os pés.
Eu, é claro, paguei a conta sozinho.
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sidão
13/10/2010 21:59:12
Muito bom!!!
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Torero
01/10/2010 10:02:11
É pra já: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/esporte/fk2406200821.htm
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Valdemagno
01/10/2010 08:51:58
Você poderia postar o link da entrevista de Zé Cabala com Tará, ídolo do Santa Cruz e irmão de Orlando "Pingo de Ouro"?
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Torero
30/09/2010 23:20:12
Tem razão. O Alan foi gentilíssimo. É que elogios intimidam (mas são bem melhores que as críticas).
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roberto castralli
30/09/2010 19:24:53
torero,voce respondeu como nos tempos atuais,a um elogio oferecido como em tempos idos.para o doce desenrolar voce foi seco,quase grosseiro,mas isto todos sabemos que voce não é,coisa do passado e do presente.
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Malu
30/09/2010 19:19:23
Que pena, não o tinha visto como um personagem.
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Torero
30/09/2010 18:14:28
Sim, já o entrevistei pela Folha de S.Paulo. O link é este: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/esporte/fk3101200319.htm.
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Antônio Carlos
30/09/2010 17:37:26
E por falar em em "El Maestro", o Zé Cabala já incorporou o Preguinho p´ra você entrevistá-lo Torero? (posso lhe tratar por "você"?) É um personagem dos mais ricos. Li certa vez em algum lugar que ele jogou vôlei (ou basquete ... pode ser que tenha sido natação... não me lembro) e futebol no mesmo dia. E venceu nas duas competições. Se já o tiver entrevistado, pode colocar o link aqui p´ra gente ler?
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Torero
30/09/2010 16:59:30
Acho que a nostalgia é um sentimento meio enganoso. Se trocássemos tudo e o passado virasse presente e vice-versa, sentiríamos saudade dos tempos em que víamos todos os jogos, pois eles passavam na tevê, e os jogadores ganhavam milhões.
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Torero
30/09/2010 14:54:26
Não. Depois de escrever um livro, o personagem vai embora.
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Malu
30/09/2010 13:41:50
só para constar, a associação foi feita pelo nome, e não pelo significado. ok.
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Douglas Borges
30/09/2010 13:41:33
uhnnnnnnn...safadao esse Ze!!!eehheelegal dmias o texto!!
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Malu
30/09/2010 13:39:00
hehehe...dei boas risadas. O Reizinho do Parque me fez lembrar do O Pequeno Rei e o Parque Real... que me fez lembrar do Haroldo. Ele ainda mora com vc?
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Eduardo Ashfield
30/09/2010 10:22:00
hola para mi que so Uruguayo e pase os 60 anos ver algo como o Sr. escribio de Piendibene es algo muito bonito agradeço do fundo de meu coraçao por ver que ainda tein gente que lembra nosos grandes antepasados aaa estaba esquesendo poe cara esa churascaria uruguaya carramba parese que a carne vein de Uruguay grande abraso e obrigado
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Alan - Palmeiras
30/09/2010 09:43:19
Muito legal, esse Zé Cabala é muito esperto mesmo, mas acho que no final de tudo, mesmo vc tendo pago a conta, foi quem saiu ganhando mais por enriquecer ainda mais sua cultura e a nossa também.´É muito bom ler esse tipo de histórias do futebol, sei que vc ouve e lê isso muitas vezes, mas é que vc tem um jeito único de contar essas histórias, de repassar uma informação e conhecimento, é muito agradável até mesmo ler um texto gigantesco seu onde usa toda uma conotação bem peculiar.Eu não sou muito velho Torero, mas em tudo que gosto, noto claramente que o mais antigo supera o atual, por exemplo, as músicas antigas são infinitamente superiores as músicas atuais, os programas de televisão seguem isso, as pessoas de antes eram muito mais respeitosas e justas, enfim, em quase tudo eu avalio o período mais antigo como superior ao que estamos hoje.Sei que é impossível comparar épocas diferentes, e por consequência pessoas dessas épocas, mas eu acredito muito que um jogador de futebol de antes, fazendo todas as adequações necessárias como preparo físico, esquemas de jogos e outros, teria muito mais destaque do que os jogadores que temos atualmente, é por isso que eu admiro e valorizo muito toda e qualquer história, seja do futebol ou do esporte como um todo.Eu penso as vezes que nasci na época errada, ou até então que já vivi antes, é um pouco engraçado, mas lendo textos como os seus, principalmente com essas características, para mim parece um pouco meio que uma viagem no tempo.Parabéns Torero, vc a cada dia se supera mais, meus colegas que recomendei visitarem seu blog, gostaram muito também, e tenha certeza que vc e suas histórias maravilhosas tomam grande tempo de nossos bate papos.
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