Blog do Torero

Arquivo : February 2011

Ronaldo Nazário, um roteiro perfeito
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Torero

(Publico hoje o último dos textos sobre Ronaldo, escrito loogo após a conquista da Copa de 2002).

A vida de Ronaldo Nazário daria um filme.

E isso não é uma figura de linguagem. A história desse personagem segue realmente todas as regras para uma boa história.

Dizem os manuais de roteiro que para fazer sucesso uma narrativa deve ter obrigatoriamente seis pontos: apresentação do personagem, crise, recuperação, preparação para o grande confronto, clímax e final feliz.

Pois bem, na Copa de 94 temos o primeiro passo, a apresentação do personagem. O menino dentuço é o reserva de um grupo que conquista o título para seu país após 24 anos de frustrações.

Ele cresce e, na Copa de 98, já é o melhor do mundo. Tem tudo para vencê-la. Seria a maior glória de sua carreira. Mas aí vem o passo de número dois: a crise. Vemos sua convulsão, e a derrota por 3 a 0. É aquele momento em que o herói vê o seu sonho cair por terra.

Ele sofre vários reveses. “Está acabado”, dizem todos ao ver o osso do joelho como que saltando para fora da pele. Mas Ronaldo continua lutando.

Então vem a recuperação, o passo três, conseguida após um árduo trabalho.
Passa o tempo, e ele ganha uma segunda chance. Está novamente numa Copa do Mundo. É a preparação para o grande confronto.

Um a um os adversários vão caindo, até que chega a hora de enfrentar o inimigo final. Que, como deveria ser, é o mais poderoso possível: a Alemanha. Para deixar as coisas ainda melhores, o inimigo é personificado em Kahn, que tem nome e costeleta de vilão.

Começa o duelo. O mocinho tenta uma, duas, três vezes, mas nada. O clima já é de apreensão quando, para a ira de Kahn, ele consegue vazar a meta contrária. Minutos depois, nosso herói sela a vitória e faz seu país explodir de alegria. Eis o último passo, o final feliz.

E o roteiro tem ainda personagens secundários perfeitos: Felipão, o mentor, aquele personagem mais velho que ajuda o herói a levantar-se (como o Grilo Falante de Pinóquio), Milene, a loira e bela mocinha (como a princesa Leia), e Rivaldo, seu inseparável companheiro (uma espécie de Robin).

Até mesmo detalhes de roteiro, como o traço distintivo (alguma cicatriz do herói, tal qual o raio na testa de Harry Potter), há em Ronaldo. No caso, seu cabelo esquisito. Sua marca para as duas lutas finais.

Eis aí uma vida que dá um filme. 


Gol feio ou bonito?
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Torero

(Publico hoje o penúltimo texto sobre Ronaldo, feito depois daquele inesquecível gol contra o Santos na primeira partida da final do Paulista de 2009)

O que dói mais, seu time levar um gol feio ou um gol bonito? É uma pergunta difícil de responder, uma questão que exige raciocínio e ponderação. Até já imagino a leitora com a mão no queixo, parecendo um escritor em contracapa, e o leitor olhando para o teto, tal qual estivesse com torcicolo.

Sei que é sempre terrível quando nosso time toma um gol. Mas cada gol dói de um jeito diferente. O tento sofrido no começo do jogo não nos faz sofrer do mesmo jeito que o gol tomado no último segundo. E assim também acontece com os feios e os bonitos. Ambos doem, mas doem de modos distintos.

O gol feio, porque é como se forças misteriosas estivessem contra seu clube. Parece um castigo do destino, um erro da natureza. Só isso explica a falha bisonha do goleiro, o chute que desvia num zagueiro e entra no cantinho, a canelada de sorte do centroavante. Parece que os deuses do futebol querem rir às suas custas. O triste do gol feio é que ele não é o fruto da inteligência ou da habilidade do adversário. Não se trata de um gol justo. Ele nasce do puro acaso.

Obviamente é um triunfo, mas um triunfo que tem o erro como pai e a imperfeição como mãe. E por isso, por não ser merecido por nosso inimigo, é que ele é terrivelmente doloroso. Já a bola entrando no ângulo, o chute preciso depois de um drible mortal e o cruzamento milimétrico seguido do peixinho certeiro doem por outros motivos. O gol bonito é uma vitória categórica do inimigo.

É a certeza de que seu time é inferior, de que o adversário tem o domínio de uma arte elaborada. O gol belo nos causa uma sensação de inferioridade (“por que os bons atacantes estão sempre nos outros clubes?”) e de inveja (“por que este desgraçado não está no meu time?”). Pois bem, depois dessa breve exposição, volto a lhes perguntar: Qual o gol que dói mais, o feio ou o belo? O que é pior, a nossa imperfeição ou a perfeição do outro?

Esta pergunta estava havia tempos anotada em meu caderninho de “Grandes pequenas questões do futebol”, e até este fim de semana eu não tinha a resposta. Mas no domingo eu estava na Vila Belmiro. E vi o terceiro gol de Ronaldo.

Vi o toque preciso e suave, vi a bola descrevendo uma bela e larga parábola, vi o goleiro no meio do caminho, sabendo-se inútil, e vi as redes balançando suavemente. Foi um golaço. E o curioso é que a torcida não xingou o goleiro, não pôs a culpa no técnico santista, não arrancou os cabelos ou socou a cadeira. Nada disso. Onde eu estava, uns olharam para os outros, como se dissessem: “Você viu o que eu vi?”, “Vou lembrar desse gol para sempre” e “O desgraçado é bom mesmo”.

É claro que havia tristeza, pois o 3 a 1 praticamente enterrou as chances do Santos. Mas também havia uma certa alegria no ar. Uma alegria por ter presenciado um grande lance, um momento raro, um lindo gol. Daí que já tenho a resposta para a questão inicial. E a resposta é que sofrer um gol feio dói mais, porque, quando tomamos um gol bonito, temos pelo menos o consolo de ver uma obra de arte.

E, no fim das contas, é para isso que vamos ao estádio.


Ronaldo, o brahmeiro
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Torero

(Para não ficar só nos elogios, republico hoje um texto sobre um comercial de gosto duvidoso feito por Ronaldo)

 
Beberraz leitor, alcoofilista leitora, vocês viram o comercial do Ronaldo? O comercial da Brahma? Para quem não viu, faço um resumo: ele aparece driblando vários obstáculos, faz um trocadilho entre o suor dele e o suor da cerveja e acaba dizendo, com um copo na mão, que é um “brahmeiro”.

Como assim? Um atleta importante fazendo comercial de cerveja? Ou pior, um atleta ainda gordo, em recuperação, fazendo comercial de cerveja? Não entendi. E não entendi porque me parece uma propaganda ruim para os dois.
Para a cerveja, porque eu, vendo o comercial, penso: “Poxa, cerveja engorda pra caramba!”. Para o jogador, porque mostra que ele não é um atleta sério. É um cara que bebe mesmo ainda estando longe da sua melhor forma.

A Brahma e Ronaldo já estiveram juntos em outros comerciais. É uma parceria antiga, desde que ele tinha 17 anos. Mas ela já foi mais sutil e inteligente. Lembro que houve uma propaganda chamada “Guerreiro” em que apenas aparecia o rosto do jogador e havia um bom texto ao fundo. Outra trazia Ronaldo como um toureiro, driblando um touro várias vezes até que o vencia e abria a garrafa nos chifres do animal.

Mas este novo comercial está bem abaixo dos anteriores. Agora há uma ligação direta entre futebol e álcool. E obviamente os dois não combinam. A campanha ainda teve o azar de vir logo depois do anúncio de aposentadoria (talvez compulsória) de Adriano, que tem seu nome associado a problemas com bebidas. Estou longe de ser uma virgem vestal, defensor da pureza absoluta ou abstêmio radical. Até sou a favor da liberação de drogas leves (o que existe em parte, já que as bebidas alcoólicas são drogas leves), mas jogador fazer propaganda explícita de cerveja não dá. Passa da conta.

A legislação permite que as propagandas de bebidas abaixo de 13 graus GL (Gay-Lussac) sejam exibidas em qualquer horário. Por isso é que vemos comerciais de cervejas e dessas vodkas ice a toda hora. Porém, em maio de 2007, Lula assinou um decreto que classificou como alcoólica toda bebida com mais de 0,5 grau GL. Só que, inexplicavelmente, esse decreto não restringiu a propaganda de cerveja.

Voltando ao comercial, que foi criado pela agência África, no texto o atacante afirma que tem orgulho de “dar a volta por cima”. Comparar o esforço heroico de Ronaldo para voltar três vezes ao futebol com o suor da cerveja é chamar o espectador de estúpido. É fazer troça da fantástica recuperação do jogador, que deveria falar “Eu sou artilheiro” e não “Eu sou brahmeiro”.

A publicidade brasileira, que já foi das melhores do mundo, vem piorando nos últimos anos. Mas, agora, se superou. Acho que, pelo menos, para desencargo de consciência, esta nova propaganda deveria vir com um daqueles avisos no final, algo do tipo: “O Ministério da Saúde adverte: Cerveja dá barriga e faz você confundir mulher com similares”.


Por que Ronaldo é tão amado?
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Torero

(republico hoje um texto feito depois da volta de Ronaldo ao Corinthians, que tenta explicar o motivo de ele ser um ídolo tão querido)
Acho que a resposta é: porque ele encarna vários personagens dos quais gostamos.

Para começar, teve uma infância pobre, o que de cara provoca uma certa empatia. Nada como o sofrimento infantil para gerar carinho pelo personagem.

Mas ele não foi só o menino pobre. Foi também garoto prodígio. E todos nós adoramos garotos prodígios, como Pelé, Mickey Rooney, Robinho, Macaulay Culkin, Zico, Neymar e Robin (o do Batman). Eles unem a genialidade à singeleza infantil. E Ronaldo, campeão do mundo aos 17 anos, conseguiu ser um menino prodígio. Ele tornou-se um caçulinha pé-quente, uma espécie de mascote da seleção. Aliás, com os eternos dentões, ele consegue manter um tanto desta aura até hoje.

Ronaldo também se encaixa no “adolescente-que-apronta”, tipo que não exatamente admiramos, mas com o qual temos uma grande identificação. O fato de ele fumar, beber, ir a boates, ser pego com travestis etc torna-o meio trapalhão, tira-o do Olimpo e faz com que ele pareça mais humano.

Ele ainda pode ser classificado no arquétipo de “comedor”, de “don juan”. Não só pelas várias mulheres que passaram por sua biografia, mas principalmente pelos seus dois casamentos. Primeiro, foi Milene, uma menina bonita, simpática e que jogava futebol, o sonho de vários marmanjos. E depois houve a história com Daniella Cicarelli, na época, o maior símbolo sexual do país. Ou seja, muitos homens tiveram identificação projetiva com Ronaldo.

Outra faceta importante é a de “homem de sucesso”. Ele jogou pelos dois maiores times da Espanha e pelos dois maiores de Milão. Ganhou três vezes o título de melhor do mundo, foi artilheiro da Copa de 2002, é o maior artilheiro da história das Copas… Ao lado disso, teve um ataque de sei-lá-o-quê na final de 1998. Ou seja, Ronaldo consegue temperar um lado gauche com um lado vitorioso.

Creio que uma de suas variantes mais importantes é a do “ressuscitado”. Todos adoramos personagens que parecem estar liquidados e acabam dando a volta por cima. Metaforicamente, é como se eles vencessem a morte. E Ronaldo já teve três graves contusões. Recuperar-se uma vez já seria espantoso. Duas vezes, um milagre. Mas ele está em sua terceira recuperação. Não é à toa que o apelidaram de Highlander.

Quando realmente morrer, o médico-legista fará exames extras, porque o cara parece imortal. Mas o mais importante é que ele se encaixa no arquétipo de herói. Principalmente por conta da Copa-2002. Aquele foi o grande momento de sua carreira. Ele ergueu-se das cinzas e fez oito gols em sete jogos.

Sem falar que marcou os dois gols na final contra a Alemanha.

Simbolicamente, é como se a Copa tivesse sido vencida por ele, assim como Romário teria conquistado a de 94, Pelé a de 58 e Garrincha, a de 62.

Em resumo, acho que Ronaldo consegue se encaixar em vários personagens que admiramos: menino pobre, garoto prodígio, adolescente problemático, jovem conquistador, azarado, vencedor, ressuscitado e herói, e assim une a perfeição e o fracasso, sendo ao mesmo tempo extraordinário e comum. E, além disso tudo, o cara joga muito.

 


Dois textos sobre Ronaldo
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Torero

Recebi ontem dois bons textos sobre Ronaldo, de André e Al-Chaer. Como são textos quentes, que falam sobre a aposentadoria do jogador, decidi antecipar para esta quarta o “Sempre aos domingos”, quando coloco textos alheios. Amanhã volto a colocar textos meus sobre o artilheiro.


Sobre Ronaldo e Camus
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Torero

 Texto de André Assis

Duas frases do goleirósofo Albert Camus estão, creio, no panteão dos que gostam de assistir ao jogo de bola e de tentar entender o sentido da vida: “devo ao futebol tudo o que aprendi nesta vida sobre moralidade e obrigações” e “o suicídio é a única questão filosoficamente importante”. Acrescente-se aí uma terceira, que ombreia as duas primeiras – embora Falcão, seu autor, não seja filósofo de ofício: “o jogador morre duas vezes; a primeira é quando para de jogar”.

Ronaldo parou. Na média, antes da hora. Para sua história dramática, talvez até um pouco depois. Quatro anos e meio atrás, ouviu do então presidente Lula que estava gordo. Respondeu na hora, bate-pronto, na lata. Sua atitude neste momento, ao ouvir o mesmo comentário do mesmo torcedor, agora ex-presidente, demonstra bem seu novo estado de espírito. Ronaldo desistiu de responder. E optou pelo suicídio em vida, ao concluir que não havia mais muito o que fazer.

Talvez o aspecto mais fenomenal da trajetória de Ronaldo foi a rapidez com que ele passou por todas as fases que uma carreira de jogador pode ter. Chegou ao estrelato cedo demais, se despedaçou cedo demais, tornou-se em fênix cedo demais, despedaçou-se novamente, reergueu-se novamente para, finalmente, ceder à mão pesada da morte.

Acrescente-se, ao aforismo de Paulo Roberto Falcão, que os torcedores também morrem um pouco quando o jogador se retira. Ouvir as palavras espaçadas, lentas, da fala de Ronaldo antes de subir ao cadafalso da bola, lembrou-nos que o tempo está passando para nós, também. Para quem o viu surgir, parece que foi ontem. Aquele menino magricela e dentuço, com aparelho nos dentes, parece que acabou de estrear seu sorriso e seu boné na TV; que foi destaque no Gols do Fantástico ainda no domingo passado, quando fez cinco gols sobre o Bahia, inclusive aquele tento moleque sobre a lenda Rodolfo Rodríguez. Numa das matérias da época Ronaldinho mostrava, com orgulho, seu primeiro carro (embora ainda não pudesse dirigir). Impossível modelo mais sugestivo: era um Gol.

Cálculos de 1993, de ontem, portanto, mostravam que a primeira temporada de Ronaldinho no Cruzeiro foi superior à primeira de Pelé no Santos. A expectativa gerada pelo moleque era imensa. Com o rolar da bola, as coisas voltaram ao devido lugar, e se constatou que Ronaldinho não era, como ninguém é, Pelé. Mas o menino ganhou Copa, superou o Rei no total de gols em Mundiais, e superou-o com folga no quesito enredo dramático. Antes da morte definitiva, Ronaldo morreu vezes várias, a ponto de virar clichê dizer “não duvidem de que ele consegue se levantar de novo”.

Ronaldinho, de boné e aparelho no dente, acabou de aparecer. Ronaldo, homem feito e com filhos à volta, acabou de deixar a vida para entrar para a história. O mais angustiante nessa história toda é constatar que, a cada dia que passa, morremos um pouco, também. O tempo passa, torcida brasileira!

Tristeza não tem fim. Felicidade, sim.

Não tive o privilégio supremo de assistir Pelé e Tostão jogando. Menos ainda Pelé e Garrincha. O mais próximo que cheguei disso, creio, foi assistir em 1997 à dupla Romário-Ronaldo. Considerando que Pelé oficialmente não era centroavante, talvez a RoRo tenha sido a maior dupla de atacantes da história do maior futebol do mundo.

A partida mais divertida, mais lúdica, da Seleção Brasileira em tempos recentes, certamente foi o 6×0 sobre a Austrália, na final da Copa das Confederações de 1997. Romário fez três gols, Ronaldo outros três. A facilidade anormal com que os dois estufavam as redes do então já difícil adversário da Oceania mostrava que aquela dupla provavelmente protagonizaria um passeio no Mundial da França, dali a seis meses. O destino encarregou-se de impedir que isso acontecesse e, pior, encarregou-se de impedi-los de voltar a jogar juntos.

Já é um pouco melancólico ver Romário tornado em deputado, lendo discursos na Câmara. Acrescente-se o choro de um Ronaldo que anuncia sua morte e sua nova condição de “embaixador”. Tristeza não tem fim. Felicidade, sim.


O Fenômeno e o menino Ronaldinho
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Torero

Texto de Al-Chaer

Quis o destino que Ronaldinho (prefiro chamá-lo assim, como era nos tempos de Cruzeiro) anunciasse sua retirada dos campos de futebol justamente no dia em que o Mundo (com exceção do Brasil) comemora o Valentine’s Day, que é como um “Dia dos Namorados” estendido também aos amigos.

Hoje é dia de dar presente à quem se quer bem e a bola foi pega de surpresa, pois um de seus maiores amantes passará a não tocar mais nela, da maneira com que ela gosta de ser movida.

O saudoso Ênio Andrade, então técnico do Cruzeiro, quando lhe perguntaram o que ele achava do Ronaldinho (que já no início de sua carreira tinha marcado 49 gols em 50 jogos, marca esta somente superada pelo Rei) disse, com aquela tranquilidade:

“- A bola gosta dele.”

Ênio Andrade confirmava nesta frase o que seria uma profecia: a bola já tinha escolhido o Ronaldinho, como escolhera – para ficar apenas com alguns exemplos brasileiros – Garrincha, Tostão, Rivelino, Gerson, Zico, Romário e, mais recentemente, Paulo Henrique Ganso. Deixei o Rei Pelé de fora desta lista, porque – como diz o Pepe – Pelé é extraterrestre.

Um jogador que foi a quatro Copas do Mundo, Campeão em duas, escolhido em três temporadas o Melhor do Mundo e detentor do título de Maior Artilheiro de Todas as Copas não poderia mesmo ter tido outra denominação, senão O Fenômeno. Isto sem falar nas duas contusões gravíssimas (primeiro na Inter, depois no Milan), que ele superou com uma força de vontade que eu só tinha visto antes com o Zico. São casos de amor (verdadeiro) com a bola.

Por tudo que Ronaldinho representou, simbolizou e iconizou (existe este verbo?) não somente para o Brasil e os brasileiros, mas para o Mundo todo, esta História poderia ter sido diferente. Falo da Final da Copa de 98 e da convocação para a Copa de 2006. Não. Ronaldinho não merecia aquilo. Para o bem do Futebol e do próprio Ronaldinho, ele não deveria ter sido escalado para aquela final contra a França, nem deveria ter sido convocado para a Seleção com mais de 10 quilos (falam que eram 14!) acima do peso.

Eu sei que – lá no fundo – todo jogador brasileiro é aquele menino peladeiro que não quer ficar de fora, nem machucado. Mas, o Ronaldinho de 98 e de 2006 não era somente aquele menino que ele (até hoje) tentou trazer dentro dele. Ali era O Fenômeno e os interesses financeiros (que passam longe da alma do menino) não poderiam jogar o nosso Ronaldinho aos leões, para os fins de marketing e imagem. Não se faz isto com um jogador da categoria e da importância do Ronaldinho.

Nestes dois episódios, começaram a matar um pouco da alma do menino, que está – também – dentro de nós, torcedores. Quem ama o Futebol e acompanhou o Ronaldinho desde o Cruzeiro, vibrou com O Fenômeno, sabendo que – no fundo – estava lá o Ronaldinho, levando para o Mundo o menino que todos nós temos aqui dentro.

Quem me conhece sabe que desde 1990 eu deixei de torcer para a Seleção Brasileira. Sinceramente, apesar de que o Romário ganhou aquela Copa de 94 “sozinho” (tudo bem, tivemos ainda aquele passe do Bebeto), aquele título foi um desserviço ao Futebol, pois elevou um Parreira a um patamar em que ele nunca pertenceu, trouxe de volta o Gagallo para 98 (que nós tivemos que engolir) e, se já era pouco, a “sem-noçãozisse” (esta eu inventei, agora!) chegou a tanto que “rendeu” – na última Copa de 2010 – o posto de técnico (?) ao Dunga, aquele mesmo da “Era Dunga”.

Pois bem, naquela Copa de 94, a única vez que me levantei da poltrona, foi na prorrogação da Final, quando eu pensava que o Ronaldinho iria entrar e marcar o gol da vitória. Naquela época eu já torcia para o Ronaldinho.

Frustração: colocaram o Viola.

Quando Ronaldinho jogava pelo Barcelona e pela Inter, meus Domingos eram na casa de meus pais, junto com Meu Pai assistindo o Ronaldinho jogar. Minha Mãe vinha para a sala de TV trazer uns aperitivos, para a gente não ficar com a barriga vazia, pois o almoço ficava sempre para “depois do Ronaldinho”.

E, em 2002, também não torci para a Seleção Brasileira, mas quando a bola ia na direção do Ronaldinho, eu já estava de pé. Aquela taça que o Cafu levantou, para mim, era só Ronaldinho.

Eis que, quando todos davam a carreira de Ronaldinho encerrada, o Corinthians fez a Maior Contratação da História do Futebol Brasileiro. Era 2008. Foi o ano em que se juntaram dois Fenômenos: Ele e “o bando de loucos”. Foi o único ano em que a Série B foi mais importante que a Série A. Naquele ano, o Corinthians foi Campeão da Série B; em 2009, Campeão Paulista (com direito aquele “gol de placa” dele contra o Santos lá na Vila Belmiro) e Campeão da Copa do Brasil; em 2010, terceiro lugar na Serie A.
Ronaldinho ainda queria ser Campeão da Libertadores, para retribuir ao “bando de loucos”. Não deu. Faz parte do Futebol.

Ronaldinho disse, ao justificar sua retirada:

“- Perdi para o meu corpo.”

“- Sinto dor até para subir uma escada, e minha casa não tem elevador.”

Então, o dia tinha que ser mesmo este. Ironicamente, a bola recebeu um presente amargo, exatamente no dia de São Valentim.

Fico com os dizeres nas costas da camisa que ele recebeu do Presidente do Corinthians:

“#PARA SEMPRE 9 FENÔMENO”

É exatamente isto: quem parou foi o Sr. Ronaldo Luís Nazário.

E aquele menino Ronaldinho não para nunca aqui dentro das minhas quatro linhas, que demarcam, no meu peito e na minha memória, a minha paixão pelo Futebol.


Aposentadoria
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Torero

(Eu estava começando a fazer um texto sobre a aposentadoria de Ronaldo quando pensei: “Acho que já escrevi sobre este assunto…” Dei uma olhada nos arquivos e realmente já tinha feito um texto sobre a aposentadoria dos jogadores em 2001. Para não ser repetitivo, publico o original. E, nos próximos dias, republicarei uns textinhos sobre Ronaldo.) 

Aposentadoria

Não é novidade para ninguém que a carreira de jogador de futebol é curta e sujeita a intempéries. São dez anos -com sorte 15- de vida útil. Alguns, como Júlio César, Mauro Galvão e Romário, são exceção à regra e batem na casa dos 20 anos.

Mas mesmo eles, um dia, terão que pendurar as chuteiras. E aí vem a pergunta: O que fazer quando a bola pára de rolar?

Creio que há três tipos de jogadores aposentados: os meu-mundo-caiu, os começar-de-novo e os superbacanas.

O jogador do primeiro tipo é aquele que, cabisbaixo, canta um velho sucesso de Maísa (“Meu mundo caiu/ e me fez ficar assim/ você conseguiu/ e agora diz que tem pena de mim…”).

Todos já ouvimos falar de pelo menos um atleta que não soube superar o abalo representado pela queda no padrão de gastos, pelo sumiço das loiras e pela indiferença dos jornalistas. Muitos tornam-se alcoólatras e passam o tempo vociferando contra os atletas da atualidade, que ganham muito dinheiro e não jogam a metade do que ele jogava.

O segundo grupo é aquele que canta uma música de Ivan Lins que foi tema da série Malu Mulher (“Começar de novo/ e contar comigo/ vai valer a pena…”).
São jogadores que desaparecem do noticiário, mas que não se afundam na nostalgia, conseguindo uma segunda vida fora do campo. Eles não gostam de falar de futebol, não vêem os gols da rodada e, se por acaso uma bola lhes cai diante dos pés, fazem questão de devolvê-la com as mãos.

Para sobreviver, o começar-de-novo geralmente abre algum comércio, como uma padaria, um posto de gasolina ou um restaurante em sociedade com o cunhado. E há também os que, como Dirceu Lopes, vão viver no interior, trocando a vida dos campos pela vida no campo.

Finalmente, há os superbacanas, que continuam brilhando e cantam em seu chuveiro aquela música de Caetano Veloso: “Toda essa gente se engana ou então finge que não vê que eu nasci pra ser o superbacana”.

Entre eles, muitos são os que se tornam técnicos, como Nelsinho, Telê e Felipão, ou comentaristas, como Raul, Falcão e Casagrande.

Também não são poucos os que tentam a política. Após uma rápida busca pela minha memória (que não é grande coisa), recordo-me de Wilson Piazza, Roberto Dinamite, João Leite, Zé Maria e Biro-Biro.

Zico foi secretário de Esportes, mas hoje, sabiamente, dedica-se mais aos negócios do seu clube, o CFZ. Pelé, que foi ministro, atualmente posa de amigo de dirigentes que até ontem combatia. Podia ser um semideus, mas parece não escolher bem suas companhias.

Cá entre nós, acho que os superbacanas de verdade são aqueles que conseguem se manter no estrelato por alguma causa nobre, e não por buscar a fama ou uma conta bancária com vários zeros. Por exemplo, Raí, Leonardo e Afonsinho. Os primeiros criaram a Fundação Gol de Letra. O terceiro participa de uma ONG no Rio.

Em vez de atuarem em negócios escusos, resolveram participar da vida social.

É de superbacanas assim que o Brasil precisa para não ficar cantando por aí que seu mundo caiu e nem viver na eterna esperança de começar de novo.


Agora sim, férias!
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Torero

Nem sempre você entra em férias no primeiro dia de férias.

Às vezes é necessário um tempo de descompressão, uma fase de desintoxicação do trabalho. 

Hoje, mesmo acordando em tão matinal horário, finalmente sinto-me em férias. É que só agora, ligando o computador, é que me lembrei dos dois jogos da seleção brasileira.

Sim, agora, sim!


Quase nunca aos domingos: Sobre Maracanazos, Felipemelazos e Tolimazos
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Torero

(Recebi um bom texto de André Assis e resolvi colocá-lo aqui no blog, na seção “Sempre aos domingos”, que, por conta de minhas férias, passa a se chamar “Quase nunca aos domingos”)

Por: André Assis

Olá, caro amigo (posso assim chamar-lhe?) Torero.

Dentro das quatro linhas, o futebol de 1950 e o de hoje mudou pouco. A grama continua igual, as traves têm o mesmo tamanho, 11 de cada lado, 90 minutos, apito, moedinha, canelada et cetera. O que Charles Miller via diante de si e o que Neymar vê tem poucas variações. O antes e o durante do gol continuam quase intactos em sua elaboração – o depois é que ficou bem diferente, dancinhas xuxas e chochas e “alo mamãe” para a câmera substituindo a explosão atômica pelo gol obtido. Pelé suava um coração na camisa, e agora os meninos de moicano correm para a lente para fazer corações com as mãos calejadas pelos botões de joystick. Mas sai pra lá, nostalgia – essa coisa de artista em anfiteatro onde o tempo é a grande estrela já era.

Dentro do campo de ludopédio é tudo-meio-mais-do-mesmo. Fora dele é como se fossem esportes diferentes, em mundos diferentes. Se os mundos que viram o Maracanazo e os que agora assistiram ao Felipemelazo e ao Tolimazo fossem iguais, Dunga seria chofer de táxi, Felipe Melo, porteiro, Kaká, mecânico, Ronaldo, técnico de rádio e TV, Iniesta e David Villa, funcionários de cassino, Messi, comerciante.

Em um trecho de Anatomia de uma Derrota (Record, 1986, 1.a edição, pp. 178-180), Paulo Perdigão discorre sobre o destino dos heróis brasileiros e uruguaios após 1950 (nem mesmo a atual campeã de 2010, Espanha, brilhou como aqueles dois times de 1950):

Brasil

Barbosa – Tornou-se funcionário da Suderj.

Augusto – Tornou-se funcionário da Polícia Federal.

Juvenal – Tornou-se funcionário da Rede Ferroviária Nacional.

Bigode – Tornou-se técnico de rádio e TV.

Friaça – Tornou-se comerciante.

Chico – Tornou-se chofer de táxi.

Uruguai

Matías Gonzáles – Tornou-se mecânico mas, devido a problemas com alcoolismo, foi demitido de seu emprego no Frigorífico Nacional.

Gambetta – Tornou-se funcionário de cassino.

Obdulio Varela – Tornou-se funcionário de cassino.

Rodríguez Andrade – Tornou-se porteiro no Palácio Legislativo.

Ghiggia – Tornou-se funcionário de cassino.

Míguez – Tornou-se funcionários dos Correios.

Morán – Tornou-se funcionário público.

Essa revolta toda da torcida do Corinthians, por mais que pareça sandice, tem um quê de lógico. Os franceses costumam dizer “Tout comprendre, c’est tout pardonner “. Talvez. Mas certamente, olhando para a vida bucólica dos pioneiros da arte do futebol, que só se sentiam próximos de estrelas quando olhavam para o céu noturno ainda limpo de poluição atmosférica e luminosa, dá para, sim, compreender um pouco o insano que a torcida do Corinthians carrega neste momento dentro de si. Os carrões dos craquelebridades, feito tanques na Praça da Ira Celestial alvinegra, rompem a entrada. Nessa hora, Marx, Maiconsuel, a luta de classes retorna, e tudo o que é sólido quer se desmanchar no ar, empesteado pelo gás lacrimogênio. Salve o Corinthians, salve a Seleção – mas salve, salvem, acima de tudo, o amor ingênuo e original do passado. 

Taí a nostalgia, ensandecida, voltando, de novo… Control, Alt, Del.

Abraço,

André Gomes de Assis

Ouro Fino (MG)