Todo juiz é ladrão!
Torero
(Recoloco aqui um texto de 24 de novembro de 2005 que ajuda a entender o pênalti marcado para o Corinthians ontem)
Sim, jurístico leitor e judiciosa leitora, todo juiz é ladrão. E quem diz isso não sou eu nem a torcida colorada. São estatísticos alemães. E não imagino gente mais séria e com mais siso do que estatísticos alemães.
Explico melhor. É que o leitor Roberto Porto, um econometrista (procurei no dicionário e vi que um econometrista não é especialista em ecos, mas um indivíduo versado em econometria, método estatístico de análise de dados e problemas econômicos), enviou-me um artigo publicado no “Journal of Economic Psychology”, intitulado “Favoritism of agents – The case of referees home bias”, que no meu péssimo inglês eu traduziria como “Favoritismo dos agentes – A tendência dos juízes em favorecer o time da casa”. O texto é de Matthias Sutter e Martin Kocher, professores da Universidade de Insbruck, Áustria.
Tomando como base os jogos do campeonato alemão de 2000/ 2001, Sutter e Kocher estudaram dois aspectos da arbitragem: o tempo de acréscimo dado pelos juízes e a marcação de pênaltis.
Em relação aos acréscimos, viu-se que os árbitros tendem a dar mais tempo extra principalmente quando o time da casa está perdendo por um gol de diferença. Neste caso os acréscimos ficam em torno de 2,75 minutos.
Porém, se o time da casa está vencendo por um gol, a média de acréscimos fica abaixo dos dois minutos. Pode não parecer uma grande diferença, mas estes segundos a mais foram fundamentais para que o Internacional vencesse o Brasiliense no último dia 20.
Passemos à parte mais interessante do artigo: os pênaltis.
Segundo os dois teutônicos (que significa alemães, e não um tipo de daltônicos), no campeonato de 2000/2001 foram marcados 76 pênaltis, 55 para os times da casa e 21 para os visitantes. É claro que, como os times da casa geralmente atacam mais, eles deveriam ter mais pênaltis marcados a seu favor. Mas os econometristas foram espertos e procuraram em reportagens quais os pênaltis que foram, nos dias seguintes, aceitos ou refutados pela imprensa.
Dos 55 pênaltis caseiros, 5 foram dados como injustos. Dos 21 pênaltis visitantes, somente 1 foi classificado como ilegítimo. Além disso, não foram dados 12 pênaltis para os times da casa e 19 para os visitantes (como o caso de Márcio Rezende de Freitas no domingo). Ou seja, em 62 jogadas em que deveriam ser marcados pênaltis, os times da casa tiveram 50 penalidades assinaladas (81%). Já os visitantes, que deveriam ter a seu favor 39 marcações, receberam apenas 20 (51%).
Segundo os autores, este favorecimento ao mandante pode ocorrer devido ao barulho, à pressão da torcida. Para tal afirmação, eles se basearam num experimento inglês com 40 juízes. Todos assistiram a um jogo do Campeonato Inglês pela TV. Metade escutava o som (e a torcida), a outra metade apenas via as imagens. Os que tinham acesso ao som foram 15% mais relutantes em marcar as faltas do time da casa.
Em resumo: todo juiz é ladrão! Mesmo que seja sem querer.
Apito amigo
A pesquisa talvez ajude a explicar um pouco o porquê de o Corinthians ter a fama de ser ajudado pelo “apito amigo”, seja ele soprado por Javier Castrili ou Márcio Rezende de Freitas. Como trata-se de uma torcida imensa, que canta e pula durante todo o jogo com um amor quase insano (às vezes sendo mais numerosa e/ou ruidosa que o time da casa), os juízes acabam ficando impressionados e pressionados. E isso acaba causando erros como o de domingo. Mas, antes que me acusem de dizer que os torcedores estimulam o roubo, aviso aos corintianos que isto não é uma acusação. Na verdade é quase um elogio: à torcida, não aos árbitros. Estes deveriam estar acima das pressões, deveriam usar tampões morais nos ouvidos.