Blog do Torero

Categoria : Velharias

In Vino Veritas
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Torero

(Como ontem bebi um pouco (um ou dois barris), republico na “Velharias” desta quarta um texto de 1999 que compara jogadores e vinho)

O futebol não é muito diferente do vinho. Os dois são saborosos, nos dão alegria e, às vezes, dor de cabeça. Além disso, tanto um como o outro possuem suas safras. Em relação aos vinhos franceses, são famosas as supersafras de 1929, 45, 47, 62, 86 e 90. No futebol brasileiro, temos as de 58, 70, 82 e agora a de 98. É difícil lembrar uma safra melhor do que essa, tanto em quantidade quanto em qualidade.

Segundo explicou-me o enófilo Mauro Marcelo, para que haja uma supersafra de uvas, ela precisa vir precedida de um inverno rigoroso e de uma primavera amena. Não é outra coisa o que aconteceu no nosso futebol. Em 90, tivemos um inverno tenebroso com Lazzaroni; em 94, uma amena primavera com a seleção de Parreira, que teve lá suas flores.

Mas, para comprovar esta tese, vejamos os frutos dessa supersafra de craques:

Em relação aos goleiros, por exemplo (que se assemelham ao champanhe, pois têm que demonstrar segurança e elegância), a lista tem nomes capazes de fazer sombra ao tradicional Taffarel, que já não tem a mesma consistência. Há os tarimbados Zetti, Carlos Germano, Velloso e Clêmer, que, como o vinho, melhoraram com o tempo, e também os jovens Rogério, Dida e André.

Na defesa (que precisa ter jogadores como um vinho Riojas: forte, encorpado e viril), temos muitas opções. Nas laterais, além de Cafu, Zé Maria, Roberto Carlos e Zé Roberto, poderíamos experimentar Júnior, Felipe, Serginho e André na esquerda, e, na direita, Russo, Rodrigo e Zé Carlos.

Quanto ao miolo de zaga, Aldair, Júnior Baiano, Gonçalves e André Cruz podem ser os zagueiros preferidos de Zagallo, mas estou certo de que Cléber, Márcio Santos, Mauro Galvão, Júlio César e Adilson não comprometeriam.

Já no meio (onde os jogadores devem ser versáteis como um Chardonneay, possuindo tanto finesse suficiente para acompanhar peixes e dar toques sutis, como ser encorpados para poder acompanhar uma carne e segurar o adversário), os volantes convocados deverão ser Dunga, Flávio Conceição, César Sampaio e Mauro Silva, mas Doriva, Marcos Assunção e Capitão também são nomes de respeito.

Já os meias de armação devem ser a principal dor de cabeça de Zagallo. Arrisco que ele vai optar pelos canhotos Zinho, Leonardo, Rivaldo e Denílson, deixando de fora craques como Djalminha, Giovanni, Raí, Amoroso, Marcelinho e os contundidos Rodrigo e Juninho.

No ataque (que é como um vinho Bordeaux ou um supertoscano, onde é necessário agressividade, força e certa elegância), creio que a lista terá Edmundo, Romário, Ronaldinho e Dodô. Mas outros nomes poderiam matar nossa sede de gol, como Jardel, Bebeto, Ânderson, Viola, Élber, Túlio, Paulo Nunes, Valdir, Donizete, Muller, Oséas e Christian.

Enfim, trata-se de uma supersafra como nunca tivemos antes. As uvas, digo, os jogadores, são excelentes e podem formar uma adega, digo, uma seleção, memorável. Basta que os vinicultores Zagallo & Cia. façam a sua parte. Ou o vinho, por melhor que seja, acaba virando vinagre. E aí só nos resta tomar um porre.


E se a Gaviões fizesse um desfile sobre Pelé?
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Torero

(Para não deixar o aniversário do Negrão passar em branco, coloco aqui um texto sobre Ele, escrito na Folha de S.Paulo em 22/2/2007)

O carnaval acabou, mas meus ouvidos ainda escutam um zumbido. Explico: é que um bloco carnavalesco achou por bem eleger a calçada em frente à minha casa como sua sede, de modo que o baticum perseguiu-me durante todos os dias e, pior, noites do reinado de Momo.

Por conta disso, meus sonhos foram confusões carnavalescas.

Vi-me morrendo afogado num mar de confetes e enforcado por serpentinas. Sem falar nos devaneios eróticos, em que Grazi misturava-se a Juliana Paes, Sabrina Sato a Kelly Key, e, misteriosamente, Preta Gil à águia da Portela.

Mas o mais curioso foi que sonhei que uma escola de samba, a Gaviões, fazia um belo desfile que contava a vida de Pelé.

Na comissão de frente, como não poderia deixar de ser, vinham Dorval, Mengálvio, Coutinho e Pepe acenando para a torcida. Zito, é claro, era o diretor de harmonia. E Gilmar, o mestre da bateria.

Depois vinham três alas relativas às cidades onde o Rei jogou. A primeira era formada por homens fantasiados de bauru. Nota para as esvoaçantes folhas de alfaces amarradas aos braços dos foliões, transbordando dos sanduíches e dando leveza às fantasias.

A ala “Santos, sempre Santos” era formada por umas cem pessoas, cada uma fantasiada de um santo diferente. O destaque, obviamente, era são Jorge, que vinha montado num imenso dragão.

Depois veio a ala “Niuiorque, Niuiorque”, onde todos estavam vestidos como a estátua da Liberdade. Só que, em vez de tochas, seguravam bolas. E vestiam a camisa do Cosmos.

A segunda maior ala em tamanho foi a “Ala dos Mil Gols”,  e ela era formada por nada menos do que mil pessoas, cada uma representando um dos gols de Pelé. Em tamanho, a “Ala dos Mil Gols” só perdeu para a “Ala das Ex-Namoradas”, composta pelas próprias.

Falando em mulheres, o “Bloco das Xuxas” fez muito sucesso. Era formado apenas por homens, todos usando imensas perucas loiras. Seguindo o “Bloco das Xuxas”, vinham o mestre-sala e a porta-bandeira, Robinho e Marta, que faziam malabarismos com a bola.

A “Ala dos Novos Pelés” comoveu o público. Era formada por crianças vestindo a camisa 10 e por Cláudio Adão, o único novo Pelé que deu mais ou menos certo.

As baianas vinham com vestidos imitando meia bola, causando um bonito efeito quando vistos de cima, parecendo dezenas de bolas a girar. Uma ala de muito bom humor foi a “Sonho Corintiano”, que trazia seus foliões todos engessados.

Pelé, o próprio, vinha dentro de uma gigantesca Taça Jules Rimet de dez metros de altura, e lá embaixo os integrantes da escola estavam vestidos como a própria taça. Mas, de repente, numa curiosa coreografia, de dentro do grande troféu saíam homens vestidos de ladrões e carregavam as mulheres fantasiadas de taça.

O carro alegórico que trazia Edinho numa prisão foi considerado de gosto duvidoso, assim como o bloco que homenageava o Pelé cantor, composto somente por integrantes surdos.

Talvez a ala mais engraçada tenha sido a “Exame de DNA, oba!”, que falava dos filhos ilegítimos do Rei. A fantasia era simples, mas interessante: todos os componentes usavam apenas fraldas e uma máscara de Pelé.

Um humor um tanto ácido, é verdade, mas há que lembrar que o desfile foi bolado pela Gaviões.

Só não me lembro muito bem do samba-enredo, mas acho que se utilizava da melodia de uma conhecida marchinha de Carnaval e começava com algo como:

 “Doutor, eu não engano, quando criança fui corintiano”.


O gol, o orgasmo e o time do Juventus
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Torero

(na seção Velharias de hoje, um texto publicado em 1999 que fala um pouco sobre sexo)

 
O gol é o orgasmo do futebol. Mesmo que seja um golzinho, é sempre goooool na garganta dos locutores de rádio, um dó de peito capaz de deixar Caruso mudo para sempre.”

O texto acima pertence ao livro “Futebol ao sol e à sombra” (L&PM, 265 págs., R$ 24), do escritor uruguaio Eduardo Galeano, que escreveu “As veias abertas da América Latina”, livro que influenciou um monte de adolescentes, entre eles, este que vos escreve.

Além de ser contra as múltis, contra a concentração de renda, contra o capitalismo e ter outros gastos fora de moda, Galeano é também um apaixonado pelo futebol, a ponto de comparar gol e orgasmo.

Talvez os mais puritanos e os mais tarados não aprovem esse paralelo, mas é difícil encontrar uma palavra melhor do que orgasmo para definir a sensação de euforia que toma conta de nós quando escutamos o grito de gol do narrador.

Para que essa afirmação tivesse um caráter mais científico, resolvi fazer uma comprovação empírica. Peguei um cronômetro, um rádio e fui escutar o jogo entre Santos e Goiás. Verifiquei que o grito de gooooooool de um narrador dura em média 5,3 segundos. Depois -tudo pela ciência- peguei meu cronômetro, e, com a valiosa ajuda de uma senhorita, passei para a segunda parte da experiência.

Vocês podem não acreditar, mas essa segunda fase durou exatamente 5,3 segundos, ou seja, gol e orgasmo têm realmente mais pontos em comum do que se pensa.

Esses pontos em comum podem ser ampliados e pedem uma pesquisa mais profunda.

Os grandes artilheiros, por exemplo, não fariam feio se comparados ao galante Casanova. O maior deles, Pelé, conseguiu proezas comparáveis às dos melhores atores de filmes pornográficos. Quantos performáticos do sexo conseguem fazer oito gols em uma única noite, como ele fez em um jogo do Santos contra o Botafogo em Ribeirão Preto?

E Maradona? Quem pode esquecer o gol marcado contra a Inglaterra na Copa-86? Aquela capacidade de invadir a defesa adversária com toques sutis e penetrar na área de cabeça altiva só é comparável ao apetite de um noivo em lua-de-mel.

E há Leônidas da Silva, que entrou para a história do futebol ao inventar a bicicleta, lance que até hoje delicia torcidas. Antes dele, nem o mais criativo atleta sexual pensaria em usar bicicletas para atingir seu objetivo. E ainda nem falamos em craques como Garrincha, que, com deliciosas carícias preliminares como cruzamentos e dribles, deixava a torcida pronta para o êxtase.

Creio que a principal vantagem desse tipo de orgasmo é a frequência. Times como São Paulo, Palmeiras, Santos e Corinthians chegam lá cerca de 140 vezes por temporada, o que resulta numa média de um orgasmo a cada dois dias e meio; respeitável contribuição à cota de prazer de que necessitamos anualmente.

Já times como o Juventus não proporcionam tantos momentos de gozo e pouco ajudam seus torcedores a cumprir uma boa média anual de satisfação. Assim, os juventinos têm que conseguir o prazer com o próprio sangue. O que, no final das contas, pode ser uma vantagem.


Ziriguidum, teletecoteco, balacobaco
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Torero

(publicado no carnaval de 1998)

Há aqueles que acham que o futebol deve ser comparado a uma batalha, mas esse não é o meu caso. Penso que o futebol é, antes de tudo, uma arte e, como arte, visa o belo. Ele é uma preciosa mistura de balé com teatro, e não há jogo que não tenha mais drama que um Macbeth, ou tanta quanto comédia um Tartufo.

Porém, há cem anos tratamos o futebol como se fosse um reles esporte, em que quem faz mais pontos vence.

É hora de acabar com isso! Mudemos as regras! Que vença o que oferecer mais beleza, não o que fizer mais gols! Menos contabilidade, mais estética. Como disse Parreira: “o gol é apenas um detalhe”.

Mas o leitor deve estar se perguntando: mas se o gol não definir o placar de um jogo, como saber quem foi o vencedor?

Por um longo tempo, também pensei nesse problema, mas então, como se fosse um sinal divino, meu vizinho colocou para tocar, no último volume, o CD dos sambas-enredo de 1998.

Era isso! Aí estava a resposta! Carnaval e futebol são as duas maiores paixões nacionais, e um jogo tem muito mais a ver com um desfile de escola de samba do que sonha a nossa vã filosofia.

Sendo assim, conclui que deveríamos utilizar os quesitos típicos do Carnaval para julgar uma partida de futebol. Cada quesito receberia notas de zero a dez, e a soma de todas definiria o vencedor.

O ataque, obviamente, seria a comissão de frente.

Evolução, a forma como um time sai da defesa para o ataque. Contariam pontos a precisão dos lançamentos e as jogadas de efeito.

Harmonia, o conjunto da equipe.

Bateria, a defesa. Neste caso seriam avaliadas as antecipações e roubadas de bola sem falta.

Também contariam pontos as fantasias, ou seja, os uniformes. Como diria Gilberto Gil, “quanto mais purpurina melhor”.

No quesito alegorias, seriam julgados dribles e lances de efeito, coisas que andam meio escassas, mas que, com essas revolucionárias regras, certamente voltariam aos campos.

Obrigatoriamente, cada time teria que ter pelo menos um jogador oriundo da terra de ACM, que representaria a ala dos baianos. Com Júnior, Gil e Baiano, as equipes de Flamengo, Fluminense e Santos saem na frente neste quesito.

Por fim, mestre-sala e porta-bandeira seriam, obviamente, o artilheiro e o capitão do time.

E o gol, para que não fosse esquecido de vez, valeria pontos na categoria adereços.

Mas essa mescla de futebol e Carnaval não deve parar nas equipes.

Todos os componentes do jogo devem fazer parte do espetáculo. Por exemplo, por que não contratar como bandeirinhas as belas Sheila Carvalho e Carla Perez? Muitos iriam a campo apenas para vê-las e nem ligariam para os impedimentos contra seu time.

E para juíza, não se poderia ser escalada outra senão a primeira e única Valéria Valenssa, que não seria mais a mulata globeleza, mas sim a mulata golbeleza.

Enfim, vamos carnavalizar este esporte! Ziriguidum, teletecoteco, balacobaco!


999
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Torero

(Como hoje é o dia 10/10/10, ou seja o dia de Pelé, republico aqui um texto que está no livro “Os cabeças-de-bagre também merecem o paraíso”)

O quando era 19 de novembro de 1969 e o onde era o Maracanã. O quê foi um pênalti apitado contra o Vasco da Gama pelo juiz Manoel Amaro de Lima. O quem era Pelé, o número dez do Santos, autor de 999 gols.

Ele ajeita a bola na marca de cal. Antes de bater, olha para as arquibancadas. Centenas de milhares de pessoas querem compartilhar aquele momento histórico. Ele também olha para Andrada, o goleiro magricela que, para tornar ainda maior a alegria de Pelé, é argentino. 

Pelé começa a correr. Escolhe o canto direito e bate colocado à meia altura. Ainda cego pelos inúmeros flashes das máquinas fotográficas, não consegue entender direito o que se passa, mas a reverberação de um comprido “Uuuh!” chega aos seus ouvidos. Ele esfrega os olhos e vê Andrada com a bola apertada contra o peito. Não tinha sido daquela vez.

Pelé ficou triste e desmotivado; até pediu para ser substituído minutos mais tarde. No jogo seguinte, contra o São Paulo, esteve novamente perto da glória, mas por duas vezes mandou a bola de encontro às traves.

Vieram outras chances. No empate contra o Palmeiras, o jovem goleiro Leão rebateu a bola à frente de seus pés; ele, porém, mandou-a para fora. Alguns dias ­depois deu dois chapéus em Ditão, mas acabou chutando em cima de Ado. Pena! Ele adorava vencer o Corinthians…

Pelé foi ficando nervoso e um dia, sem que ninguém visse, começou a beber. Primeiro foi uma cerveja, depois uma caipirinha e no fim acabou experimentando aguarrás. O efeito disso foi que começou a chegar atrasado aos treinos, caiu de rendimento e, diante dos clamores da torcida, perdeu a posição para Brecha.

Isso foi fatal para seus planos de jogar a Copa de 1970. Zagallo, receoso, não o convocou para a equipe tricampeã. Tostão jogou um pouco mais recuado no meio-campo e Dario foi o centroavante.

Nos anos seguintes, na reserva, Pelé não conseguiu fazer seu milésimo gol. Decidiu então despedir-se do futebol. As glórias passadas ainda estavam na memória de todos, e a Vila Belmiro lotou naquela tarde de 1972 para ver o seu adeus contra um combinado de craques. Quem sabe se na partida derradeira ele não chegaria ao milésimo gol.

Pelé estava infernal. Num lance brilhante, a Vila ­Belmiro quase veio abaixo. Pôs a bola no meio das pernas de Piaz­za, deu o drible da vaca em Luís Pereira, deixou Figueroa no chão e chutou colocado no ângulo. Ele já ia dar um soco no ar quando viu a bola sendo espalmada para escanteio pelo goleiro. O nome dele era ­Andrada.

Daquele dia em diante, ninguém mais o viu. Pelé deixou a barba crescer e ficou conhecido pelos habitantes de Três Corações como um mendigo esquisito, que vivia chutando pedrinhas como se estivesse cobrando um pênalti. E nunca acertava.

“Acorda, acorda!”

“Que foi, Assíria?”

“Você está tendo um pesadelo e não pára de me chutar!”

“Sonhei que perdi o pênalti contra o Andrada, ­entende?”

“Que bobagem… Dorme, Edson.”

Mas ele não consegue mais dormir e passa a noite em claro. Enquanto isso, em algum lugar, Andrada tem o mesmo sonho de Pelé. E sorri.


Mostra-me teu par e te direi quem és
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Torero

 

(Texto publicado pouco antes do começo do Paulista de 1998)

As boas coisas da vida vêm sempre aos pares, e não estou falando apenas das Ronaldinhas. É mais que isso. A necessidade das duplas pode ser vista em qualquer atividade humana.

Na música, por exemplo, temos Vinícius e Toquinho, Roberto e Erasmo, Gil e Caetano, sem esquecer dos internacionais Lennon e McCartney e dos caipiras Tonico e Tinoco.

O cinema não fica atrás. Se na fase muda houve o Gordo e o Magro, nos tempos modernos temos De Niro e Scorsese, Bergman e Nikvist, Fellini e Mastroianni. No jornalismo, a reportagem das reportagens, o caso Watergate, foi feita por Carl Bernstein e Bob Woodward, e até na literatura, atividade tão individualista, tivemos uma bela dupla formada por Borges e Casares.

Enfim, tudo tem que ter seu par, mesmo as coisas mais básicas: o pão não seria nada sem a manteiga, o arroz fica sem graça sem o feijão, e a goiabada é muito melhor ao lado do queijo.

No futebol não é diferente. Mesmo que um time tenha 11 jogadores, as duplas são a alma das equipes.

O Santos, por exemplo, teve o auge de sua história com Pelé e Coutinho, e recentemente não voltou a ser campeão porque faltava um par para Giovanni, que era uma espécie de maestro sem solista.

No Palmeiras, Dudu e Ademir da Guia foram o esteio da Academia e até viraram estátua no Parque Antarctica. No grande time de 93/94, havia Edmundo e Evair; que, aliás, acabam de dar um título ao Vasco.

E, se o assunto é Campeonato Brasileiro, como esquecer da recente dupla Paulo Nunes e Jardel, no Grêmio, e de antigas, como Careca e Renato, que levantaram o único campeonato do Guarani?

No Corinthians, os sexagenários lembram-se com saudades da era Luisinho e Baltazar, e os trintões riem sozinhos quando recordam as tabelas da dupla Sócrates-Palhinha, depois convertida em Sócrates-Casagrande.

Os são-paulinos não esquecem que o grande tricolor dos anos 70 teve, pelo menos, duas parcerias memoráveis: Chicão e Pedro Rocha e Serginho e Zé Sérgio. Já nos anos 80, o time vencia tudo com Oscar e Dario Pereyra atrás e Muller e Careca na frente.

No futebol internacional acontece o mesmo: Careca-Maradona, Gullit-Van Basten, Cruyff-Neeskens e Puskas-Kocsis mostram que os pares não são uma invenção brasileira, mas uma necessidade natural.

Por isso acredito que o Campeonato Paulista deste ano será vencido pelo time que tiver a melhor dupla. Por enquanto, as coisas estão equilibradas.
O Palmeiras acena com Paulo Nunes e Oséas.

No Corinthians podemos ter Marcelinho e Mirandinha, um par respeitável, e o São Paulo vem com Denílson e Dodô.

Já o Santos está um pouco complicado. A dupla Caio-Caíco parece mais nome de dupla caipira do que de dupla de área, relembrando os amargos tempos de Totonho-Toinzinho.

O time da Vila Belmiro, entretanto, pode emplacar Jorginho e Muller, um casal bem eficiente.

Não há mistérios. O time que formar a melhor dupla põe um dedo na taça, porque as duplas são o centro de tudo; que o digam o próton e o elétron.

 

(Na final do campeonato, depois de perder a primeira partida por 2 a 1, o São Paulo venceu o Corinthians por 3 a 1, gols da dupla Raí e França.)


Marcelinho e o início de uma nova era
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Torero

(Vou estrear aqui no blog uma nova categoria: Velharias, onde vou colocar alguns textos antigos. O texto de hoje, por exemplo, é de janeiro de 1998 e fala de uma ideia bizarra da Federação Paulista de Futebol: instituir uma espécie de campeonato, via disque-900, para ver quem ficava com o passe de Marcelinho. Um campeonato que obviamente já tinha um vencedor. Estranho, estranho…)

Primeiro tivemos a Idade da Pedra, depois a do Ferro, então a do Ouro e há pouco passamos pela Era Atômica. Mas desconfio que nestes últimos meses entramos num novo tempo, numa nova fase da humanidade: a Era do Tele-900. Muitas coisas hoje já se decidem por esse curioso método, uma mistura de democracia, capitalismo e bingo.

Carros, geladeiras, televisores e outro sem-número de objetos já foram sorteados nesses tele-900s, mas agora, no Paulista-98, teremos um produto diferente: um homem. Mais especificamente, um jogador de futebol. Mais especificamente ainda, o Marcelinho.

Claro que a intenção, pelo menos a visível, é boa, e o objetivo é valorizar o campeonato, mas tenho algumas dúvidas.

A primeira coisa que me preocupa é que a disputa parte de uma desigualdade. A torcida do Corinthians é a maior, portanto o Corinthians é o favorito a reconquistar o futebol do craque.

Será que palmeirenses, são-paulinos e santistas terão ânimo para perder R$ 3 e, ainda por cima, reforçar o rival? Outra dúvida: por que os times pequenos não podem participar desse leilão-sorteio? Eles também não estão filiados à federação? E isso não diminuirá o equilíbrio do Campeonato Paulista?

Porém, já que o tele-900 entrou até no futebol e já faz parte de nossa vida, por que não levá-lo às últimas consequências. Os técnicos, por exemplo, poderiam submeter a escalação das equipes a esse sistema. Cada jogador teria seu número, e assim os times seriam formados à imagem e semelhança dos torcedores.

Além disso, pode ser uma forma de engordar as receitas dos clubes. Tal idéia pode valer também para a seleção. Aliás, o Taffarel que me desculpe, mas nessa eu gastaria os meus R$ 3.

Mas não paremos por aí. O tele-900 pode ter muitas outras utilidades. Ele poderiam, por exemplo, substituir as eleições.

Como estamos em ano eleitoral, a idéia poderia ser testada já. Para o eleitor seria uma grande vantagem, pois não precisaria mais enfrentar filas, e tudo o que teria que fazer é discar para o número do seu candidato e pronto. É claro que os mais ricos votariam mais vezes e assim o poder econômico poderia decidir a eleição. Mas talvez já seja assim.

A diferença é que, em vez de ser um processo caro e deficitário, as eleições passariam a dar lucro, e com o dinheiro arrecadado o governo poderia construir mais escolas e hospitais. Ou então engrossar a verba do Proer.

Pensando bem, logo logo nem de eleições vamos precisar. Todas as matérias importantes serão decididas no voto telefônico.

Pena de morte? Sim, disque 0900-666. Não, ligue 0900-111.

Casamento entre pessoas do mesmo sexo? Sim, disque 0900-2424. Não, ligue 0900-4242.

Como isso seria o fim dos políticos, o governo pouparia gastos de salários e mordomias, e nossa capital, Brasília, poderia ser transformada num imenso cassino, que talvez seja a verdadeira vocação daquela cidade.

Aliás, o formato do Congresso já não sugere uma imensa roleta?